Na categoria dedicada aos filmes internacionais, ou seja, em língua original diferente do inglês, não havia chances para o Brasil. A vida invisível, do cearense Karim Aïnouz, escolhido como representante brasileiro na disputa, já havia ficado fora da pré-seleção ao Oscar divulgada em dezembro. Entretanto, havia outra esperança para o cinema nacional figurar na maior premiação do cinema hollywoodiano, que foi correspondida com a divulgação, ontem, da lista final de concorrentes a melhor documentário.
Democracia em vertigem, dirigido pela mineira Petra Costa, concorrerá à estatueta. Lançado pela Netflix em junho passado, o longa aborda as tensões políticas no Brasil nos últimos anos, incluindo o processo de impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão da direita ao poder.
Sob uma perspectiva muito pessoal, na qual narra a própria experiência inserida nesse contexto, a diretoria de 36 anos, nascida em Belo Horizonte, mostra um panorama das vulnerabilidades da estrutura democrática brasileira. Embora comece e se encerre na prisão do ex-presidente Lula, ocorrida em 2018, o roteiro viaja no tempo e mostra como o PT se formou, chegou ao poder e foi destituído da presidência, no conturbado e polêmico processo que afastou Dilma do cargo, em 2016.
Justamente por isso, o filme divide opiniões, refletindo a polarização política que é um de seus temas. Assim que a indicação foi anunciada, o tema se tornou o principal assunto das redes sociais no Brasil. No Twitter, figuras importantes do cenário político se manifestaram, parabenizando a diretora, como o ex-presidente Lula e a ex-deputada federal Manuela d'Ávila, candidata derrotada à vice-presidência da república em 2018, na chapa de Fernando Haddad (PT). "A verdade vencerá", comentou Lula, enquanto Manuela ressaltou a possibilidade de Petra Costa ser a primeira cineasta latino-americana a conquistar o prêmio.
IRONIA
Por outro lado, o atual secretário especial de Cultura do governo federal, Roberto Alvim, ironizou a indicação em entrevista à colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo. "Se fosse na categoria ficção, estaria correta a indicação", declarou. O PSDB também emitiu posicionamento semelhante, por meio de sua conta no Twitter: "Parabéns à diretora Petra Costa pela indicação de melhor ficção e fantasia por Democracia em vertigem".
Petra Costa, por sua vez, também usou sua conta na rede social para festejar a indicação. “Estamos extasiados pela @TheAcademy ter reconhecido a urgência de #DemocraciaEmVertigem. Numa época em que a extrema direita está se espalhando como uma epidemia esperamos que esse filme possa ajudar a entender como é crucial proteger nossas democracias. Viva o cinema Brasileiro!”, publicou, em português e também em inglês.
É a primeira vez em quatro anos que uma produção brasileira é indicada em uma categoria do Oscar. A última foi em 2016, quando O menino e o mundo, de Alê abreu, concorreu a melhor animação. Naquele ano, o prêmio ficou com Divertidamente. Os concorrentes de Democracia em vertigem são Indústria americana, The cave, For sama e Honeyland, que aparece como forte candidato, indicado também a melhor filme internacional. O longa da Macedônia do Norte aborda a relação do homem com o planeta por meio da história singular de Hatidze, a última caçadora de abelhas da Europa.
Indústria americana fala sobre a instalação de uma fábrica chinesa em Ohio e os impactos disso na sociedade local. Disponível na Netflix, é uma produção do selo Higher Ground Productions, de Barack e Michelle Obama. For sama retrata a história da cineasta síria Waad al-Kateab, que documentou sua vida familiar na cidade de Aleppo durante a guerra, período em que deu à luz a uma filha. O conflito sírio é tema também de The cave, coprodução de Síria, Dinamarca, Alemanha, EUA e Qatar, que registra o trabalho da médica Amani Ballor em um hospital improvisado em uma caverna durante a guerra.
ASSUSTADOR
O filme de Petra Costa tem credenciais importantes a seu favor. O diário norte-americano The New York Times colocou Democracia em vertigem em sua lista de melhores filmes de 2019 (incluindo os de ficção). “Este documentário angustiante, uma análise cuidadosa dos eventos que levaram à eleição de Jair Bolsonaro, presidente populista do Brasil, é o filme mais assustador do ano", escreveu o crítico A. O. Scott, ao justificar a escolha.
Dois papas, coprodução da Netflix entre EUA, Reino Unido, Itália e Argentina com direção do brasileiro Fernando Meirelles recebeu três indicações: melhor ator coadjuvante (Anthony Hopkins), melhor ator (Jonathan Pryce) e melhor roteiro adaptado (Anthony McCarten).
Em entrevista ao Estado de Minas, publicada no domingo passado (12), Fernando Meirelles falou sobre suas expectativas em relação ao Oscar. Ele disse acreditar que o filme tinha chances de repetir as indicações do Globo de Ouro – foram quatro no total (melhor filme, roteiro adaptado, ator e ator coadjuvante) e descartou uma indicação em sua categoria. O cineasta também comentou que gostaria de ver Dois papas indicado em fotografia (Cesar Charlone) e montagem (Fernando Stutz).
Entre os indicados das 24 categorias, o Brasil ainda tem relação com outros dois filmes. O farol, de Robert Eggers, estrelado por Willem Dafoe e Robert Pattinson, que tem produção dos brasileiros Rodrigo Teixeira e Lourenço Sant'Anna, concorre a melhor fotografia (Jarin Blaschke). E Ad Astra, também coproduzido por Teixeira, está indicado a melhor mixagem de som.