Em 15 de setembro de 2008, o mundo econômico quase implodiu. Numa das piores segundas-feiras do mercado financeiro global, o poderoso banco norte-americano Lehman Brothers pediu concordata e suas ações desabaram 94,25%. Foi o estopim da crise que logo se alastrou pela planeta. O motivo da derrocada do Lehman Brothers, explodindo a bolha imobiliária americana, foi o aumento da inadimplência no crédito imobiliário – pessoas que fizeram empréstimos vantajosos para a compra da casa própria não conseguiram pagar as prestações quando os juros chegaram a triplicar.
O colapso do banco despertou medo em correntistas de outras instituições, que correram às agências a fim de resgatar seu dinheiro. O sistema financeiro ameaçou ruir como dominó. “Foi o dia em que o capitalismo deixou de funcionar”, observa o dramaturgo, diretor e roteirista inglês David Hare. Convidado pelo National Theatre de Londres a escrever uma peça que ajudasse a entender o assunto, ele criou O poder do sim, lançada em livro pela editora Temporal.
A peça é um exercício de dramaturgia. Hare iniciou um trabalhoso processo de pesquisa, entrevistando o máximo possível de pessoas ligadas ao acontecimento. Esse método resultou no conteúdo da peça O poder do sim. O dramaturgo torna-se o personagem que se envolve com figuras do mercado financeiro (economistas, banqueiros, jornalistas, etc.) a fim de detalhar as causas do colapso.
“O poder do sim está a meio caminho entre um diálogo ficcional e uma sequência de relatos e depoimentos documentais, os quais se acumulam e ficam ressoando, sem conduzir a uma síntese”, diz o texto do prefácio do livro, que traz excelente material de apoio: um texto da professora da USP Anna Stegh Camati sobre a dramaturgia verbal de Hare e posfácio assinado pela economista Leda Maria Paulani mostrando como o teatro documental permite retratar o real na chave do absurdo e do irracional. De quebra, o volume traz minibiografias dos principais personagens e glossário de termos econômicos, personalidades e instituições financeiras.
Aos 72 anos, David Hare é conhecido pelo tom político de seus textos. Autor de cerca de 20 peças que retratam a história recente da Inglaterra, iniciou sua carreira em 1968. Dezesseis textos dele foram encenados pelo National Theatre, tratando de temas que vão da Igreja ao Partido Trabalhista inglês. Entre seus principais títulos se destacam Plenty (1978), The secret rapture (1988), Amy’s view (1997), The Judas kiss (1998) e The vertical hour (1996).
JORNADA
Para Hare, O poder do sim é uma tentativa de contar uma história, jornada intelectual em que ele busca descobrir os motivos pelos quais o capitalismo quase deixou de funcionar em 2008. Daí a importância de um dramaturgo entre os personagens principais: à sua frente, surgem atores que interpretam figuras reais que trabalharam em bancos e no governo. As personalidades que vão do financista George Soros ao acadêmico Myron Scholes, vencedor do Prêmio Nobel.
Soros é preciso ao apresentar os motivos que explicam uma certa despreocupação dos banqueiros, mesmo à beira da falência: segundo ele, os donos do sucesso financeiro em tempos de triunfo nunca serão os perdedores em tempos de dificuldades.
Outro momento revelador (e extremamente engraçado) é quando se desnuda uma das cenas mostradas pela televisão que davam o contorno da tragédia: empregados do Lehman Brothers deixam a empresa carregando caixas com, acreditava-se, documentos pessoais. Segundo um ex-funcionário, tratava-se, na verdade, de chocolates e sanduíches que as pessoas compraram rapidamente, a fim de usar os ainda válidos tíquetes de almoço.
Hare pretende mostrar que por trás dessa confusão está a completa falência intelectual. O título da peça, aliás, parece vir da capacidade de banqueiros e financiadores de dizer “sim” a qualquer situação que lhes daria mais dinheiro, mesmo conhecendo os esquemas, como as hipotecas que derrubaram o Lehman Brothers. É como diz Chuck Prince, diretor do Citibank: “Enquanto a música tocar, você tem de se levantar e dançar”. (Estadão Conteúdo)
EM CENA
Nos últimos 20 anos, peças de David Hare foram encenadas no Brasil. Em 2001, José Possi Neto dirigiu o drama Ponto de vista, com Beatriz Segall, Adriana Esteves e Marcello Antony. Possi também comandou a atriz Christiane Torloni em Blue moon, que estreou em 2003. Em 2010, Sopros de vida foi estrelada por Nathalia Timberg e Rosamaria Murtinho. Hare ficou mais conhecido por sua participação no cinema. O britânico foi indicado ao Oscar pelos roteiros adaptados dos longas As horas (2003) e O leitor (2009).
O PODER DO SIM
De David Hare
Editora Temporal
184 páginas
R$ 60