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Estado de Minas

Lobão faz show para público sem 'perfil ideológico' na sexta (7) em BH

Despois de se afastar do bolsonarismo, ele diz que é 'do rock' e apresentará canção na qual critica em inglês Olavo de Carvalho, 'Valkiria Queen'


postado em 06/02/2020 04:00 / atualizado em 05/02/2020 18:17

O cantor e compositor Lobão(foto: Anatole Klapouch/Divulgação)
O cantor e compositor Lobão (foto: Anatole Klapouch/Divulgação)
Lobo mau? Nem tanto assim. “Acho cafonérrimo falação em show. Olha, tenho uma elegância inata que me impede de cometer esse tipo de gafe, que é muito brega. Aqui é show. Sou da vertente que acredita que a música é muito mais poderosa do que outro tipo de blá-blá-blá.”

Lobo bobo? De forma alguma. Ainda que ele não pretenda utilizar seu microfone para nenhuma pregação política, não há como desvincular a figura de Lobão de polêmicas da vida nacional. Tanto que a única música inédita do show que ele fará nesta sexta-feira (7), no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, chama Olavo de Carvalho de “fraude”, para dizer o mínimo.

Lançada como single em dezembro passado nas plataformas digitais, Valkiria Queen (é desta maneira que Lobão se refere ao guru do bolsonarismo nas redes sociais) é uma canção em inglês que pretende antecipar sua nova fase: stoner rock, grosso modo, um estilo chapado, pesado, para ser tocado alto, muito alto.

No palco – “Sabe que meu primeiro grande show em Belo Horizonte, em 1984, foi no Palácio das Artes?” – ele vai se apresentar no formato power trio: Lobão (voz e guitarras), Armando Cardoso (bateria) e Guto Passos (baixo). Será ainda seu primeiro show em 2020 e também a primeira vez em que ele vai tocar Valkiria Queen ao vivo.

No repertório, o cantor e compositor vai passear por boa parte de sua trajetória, enfatizando canções dos álbuns Lobão & Os Eremitas da Montanha (2018, antologia de canções politicamente incorretas dos anos 1980) e O rigor e a misericórdia (2016, seu disco mais recente de inéditas).
 
Ouça Valkiria Queen:
 
 
E para quem é este show? Direita? Esquerda? “Sou muito seletivo. Estou cagando baldes para pessoas que considero inadequadas. Para mim, a pior forma de solidão é ser amado pelo que você não é. Então, atualmente, a minha plateia é, antes de qualquer coisa, heterogênea. Vai dos 12 aos 80 anos. E não tem perfil ideológico, graças a Deus, já que detono todo mundo. Não sou de direita nem de esquerda, sou do rock.”
 
Ao longo dos seus 62 anos de vida e 45 de carreira, João Luiz Woerdenbag Filho fez e falou o que quis. “Acho que encontrei a minha maneira de trabalhar. Sou autodidata. Meus fracassos são meus aliados. Tentativa e erro são a fonte do meu conhecimento. A minha direção é de que a liberdade artística seja fundamental”, ele comenta.

E foi assim, até seus detratores hão de concordar, desde o início. Ainda garoto, depois de integrar, como baterista, o Vímana, banda seminal do rock dos 80 (da qual Ritchie e Lulu Santos fizeram parte), foi um dos fundadores da Blitz. Foi ele, inclusive, quem batizou a banda de Evandro Mesquita. Pois deixou o grupo na época do lançamento do primeiro álbum.

JOVEM GUARDA 
“Quando vi que a Blitz ia virar Jovem Guarda, vi que ficaria carimbado com a imagem da banda. Como baterista, seria mais difícil sobreviver como artista solo”, ele relembra. Na época, o grupo estava estourado, “e eu passando fome”.
 
Na carreira solo, estreou em 1982 com Cena de cinema. Dois anos mais tarde, saiu Ronaldo foi pra guerra, álbum que trouxe duas canções que o acompanham até hoje: Corações psicodélicos (“A única música alegre que já compus”) e Me chama.

Esta última havia sido lançada meses antes por Marina Lima, com quem Lobão já havia tocado. “O single desse disco foi Ronaldo foi pra guerra, que foi um fracasso. Como Me chama já tinha sido sucesso com a Marina, a gravadora (RCA Victor, atual Sony Music) queria que eu fizesse uma coisa meio Sullivan e Massadas, não com aquela minha voz. Como não fiz, a música não foi trabalhada. Quando a Rádio Manchete tocou espontaneamente Me chama, em uma semana ela estourou em todas as rádios do Brasil. Salvou a minha carreira.”

Dali pra frente, a despeito de momentos pessoais para lá de difíceis – ficou preso durante um bom período de 1987 por causa de porte de drogas, tentou o suicídio mais de uma vez –, Lobão continuou a fazer, mesmo com os revezes, tudo à sua maneira. Rompeu com as gravadoras em 1999, decidiu vender seus discos em banca de jornal (para isso criou sua própria revista, Outracoisa, que durou de 2003 a 2008), brigou e conseguiu que os discos passassem a ser numerados no Brasil.

Toda esta história está muito bem documentada em sua autobiografia, 50 anos a mil (2010). Nos próximos meses, ele lança uma sequência do livro, 60 anos a mil. “Está prontinho. Retomo a narrativa do fim do livro anterior, quando chegamos a São Paulo, até 2020. Até digo no final desse livro que pretendo atualizar minha biografia de 10 em 10 anos, até quando der.”

Para Lobão, a última década foi mais produtiva do que as cinco que vieram antes dela. “Lancei seis livros, fiz quatro discos, inclusive um álbum duplo. Foram mais de 30 singles. Aprendi a tocar outros instrumentos (em seus discos ele grava todos), a produzir meu próprio som. Hoje, sou engenheiro de som, sei mixar, além de ser meu próprio empresário. Ou seja, sou totalmente independente. Tenho condições de fazer toda a cadeia de um disco, desde sua manufatura até o produto final.”

Lobão concorda que se tornou um empreendedor. “Isso liberou minha produção artística de qualquer interferência. Sou o tirano da minha própria produção”, brinca ele, que há três meses criou, em sua página no YouTube, o Lobolândia, um canal de assinatura – R$ 7,99 (padrão) e R$ 14,99 (premium).

Sou muito seletivo. Estou cagando baldes para pessoas que considero inadequadas. Para mim, a pior forma de solidão é ser amado pelo que você não é. Então, atualmente, a minha plateia é, antes de qualquer coisa, heterogênea. Vai dos 12 aos 80 anos. E não tem perfil ideológico, graças a Deus, já que detono todo mundo%u201D

Lobão, cantor e composito


Versatilidade não lhe falta. No quadro Pai Lobão na cozinha, o músico refaz receitas da gastronomia brasileira. “Tenho interesse em cozinha desde criança. Minha avó paterna fazia muito doce. Como era diabética, ela não comia. Mas me enchia de compota de doce de laranja, que adorava.” No quadro Era uma vez, ele relembra antigas histórias, “causos da minha existência rica em acontecimentos”. São bate-papos, duas a três vezes por semana, mais alguns pocket shows.

Ainda com este lado quase doce, Lobão continua com as garras afiadas. Sua presença constante nas mídias sociais na última década virou sinônimo de polêmica. Criou caso com meio mundo, falou mal de Chico, Gil, Caetano (depois, em carta aberta, pediu desculpas), encarnou o sentimento antipetista de tal forma que foi um dos primeiros artistas a apoiar a candidatura de Jair Bolsonaro. Virou uma das vozes do conservadorismo de direita.

Antes de o governo Bolsonaro completar um ano, Lobão já havia pulado do barco. “Um governo que age como o Bolsonaro age tem que ser deposto. Ele não tem capacidade intelectual para governar. Não dá para engolir quatro anos disso. Meu cálculo pode até estar errado, mas o nível de destruição do governo é grande, não tem como ele tecer alianças. Acredito que ele tenha pouquíssima capacidade de se reeleger por conta disso.”

Arrepende-se das posições que tomou? “De jeito nenhum. As posições que sempre tomei foram medidas, calculadas. Sou muito consciente e maduro e me preocupo em como o meu nome vai aparecer daqui a 10, 25 anos. Agora, meu caminho não é receita para ninguém”, conclui. Vida louca vida.

LOBÃO POWER TRIO
Show nesta sexta (7), às 21h, no Palácio das Artes – Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Ingressos: Plateia 1 – R$ 180 e R$ 90 (meia); Plateia 2 – R$ 140 e R$ 70 (meia); Balcão – R$ 100 e R$ 50 (meia). À venda na bilheteria do local e no site Ingresso Rápido.


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