A grande briga deste Oscar deve ficar entre Parasita e 1917. Mas não podemos nos esquecer que são nove os filmes que concorrem na principal categoria da premiação.
Os sete demais indicados ao Oscar de melhor filmes são uma boa amostragem (ainda que incompleta) da produção audiovisual contemporânea. Coringa representa a reinvenção. Com sua fábula (pesadelo?) que recria um personagem icônico dos quadrinhos, o cineasta Todd Philipps (aqui, numa guinada na carreira, até então marcada por comédias blockbuster) promoveu uma reflexão em massa (o filme fez US$ 1 bilhão nas bilheterias) sobre as injustiças sociais. O Coringa de Joaquin Phoenix (que deve levar seu primeiro Oscar de melhor ator) ainda mostrou que os super-heróis (no caso, um supervilão) devem ser levados a sério.
Com 10 indicações, O irlandês é Hollywood em sua essência buscando sobreviver num outro contexto. O épico de Martin Scorsese custou estimados US$ 159 milhões (R$ 675 milhões). Scorsese diz que nenhum estúdio quis correr o risco e apenas a Netflix lhe deu o orçamento e carta branca para gastá-lo. Com um elenco do primeiro time – Robert de Niro, Al Pacino, Joe Pesci –, além de Scorsese na direção, a Netflix certamente almejava múltiplas estatuetas para o filme, mas pode sair sem elas caso confirmadas as previsões da maior parte da imprensa especializada para esta noite.
Uma pena que Pacino e Pesci concorram a ator coadjuvante no mesmo ano em que Brad Pitt, em sua quarta indicação como ator, surge como favorito ao prêmio pelo papel do dublê/motorista/faz-tudo do ator interpretado por Leonardo DiCaprio em Era uma vez em... Hollywood (indicado em 10 categorias). A recriação que Quentin Tarantino faz do momento em que os EUA perdem a inocência é impagável, e Pitt, com tudo nesta temporada de prêmios, é quem melhor personificou o espírito do filme. Tarantino, que já levou dois Oscars de roteiro (Pulp fiction e Django livre), pode ser uma pedra no sapato de Bong Joon Ho nessa categoria.
TRADIÇÃO Adoráveis mulheres, de Greta Gerwig, é uma adaptação literária, outra tradição em produções hollywoodianas. Mais: a diretora consegue, sem forçar a barra, atualizar com inteligência e frescor uma narrativa clássica de 150 anos atrás, que já foi contada outras seis vezes pelo cinema. O longa, que concorre em seis categorias, não tem chances como melhor filme, ainda mais porque Gerwig ficou fora da disputa de direção, gerando protestos pela ausência de representatividade feminina.
Seu marido – sim, pela primeira vez dois cineastas cujos longas concorrem a melhor filme são um casal –, Noah Baumbach, é o responsável por História de um casamento (outra produção da Netflix, indicada em seis categorias), que, com uma boa dose de certeza, deve levar a estatueta de atriz coadjuvante para Laura Dern (que também está em Adoráveis mulheres).
Outra produção que explora uma tradição de Hollywood – no caso, obras biográficas – é Ford vs Ferrari (quatro indicações), filme que vai muito além do registro de uma corrida de carros. É uma história de superação (tanto pessoal quanto dos próprios EUA, aqui vencendo a Itália) muito bem contada e interpretada (Christian Bale e Matt Damon capitaneando um ótimo elenco) em alta velocidade. Se levar alguma estatueta, será em alguma categoria técnica.
Por fim, está a grande (e grata) surpresa deste Oscar. A sinopse de Jojo Rabbit (seis indicações) pode até causar arrepios: garoto que quer integrar a Juventude Hitlerista tem o líder nazista como amigo imaginário. Pois a maneira como o diretor Taika Waititi conta a história de um menino de 10 anos que quer, no fundo, encontrar seu lugar no mundo é de uma inteligência e ironia capazes de encantar até o espectador mais relutante. Se não levar outros, ao menos o Oscar de roteiro adaptado merece ser dele.