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Estado de Minas

Não é por acaso que 'Amor de mãe' faz lembrar 'Vale tudo'

Ambas as novelas coincidiram com momentos políticos importantes no país e suas tramas incentivam o debate sobre questões irresolvidas


12/02/2020 04:00 - atualizado 11/02/2020 20:21

Rosualdo Rodrigues*
Especial para o Estado de Minas

A corajosa professora Camila (Jéssica Ellen), cujo visual lembra Marielle Franco (foto: João Cotta/Divulgação)
A corajosa professora Camila (Jéssica Ellen), cujo visual lembra Marielle Franco (foto: João Cotta/Divulgação)
Desde Vale tudo, uma novela não se propõe a discutir o presente político do Brasil com tanta veemência quanto Amor de mãe. A atual novela das 21h da TV Globo é um assumido folhetim à moda antiga, cheio de coincidências, triângulos amorosos, filho perdido que reencontra a mãe..., mas utiliza isso como ponte para tratar de temas urgentes na atual conjuntura do país.

A associação a Vale tudo não é mero acaso. A trama de Gilberto Braga foi exibida num momento político melindroso – entre 1988 e 1989 –, quando o Brasil, recém-saído de uma ditadura militar, tentava se equilibrar sobre uma nascente democracia e o povo enxergava com mais nitidez os contornos da corrupção. Amor de mãe chega num momento ainda mais trágico, marcado pela ascensão da extrema-direita e uma acirrada polarização política.

Um momento que justifica um discurso ainda mais contundente – reforçado até mesmo em outros programas da Globo, como o humor crítico e as paródias ácidas no Zorra, o drama da ótima série Segunda chamada – que discute os mesmos temas da novela no microcosmo de uma escola pública noturna – ou na novela Bom sucesso, que partiu em defesa dos livros e da leitura.
 
Só que, além de colocar em pauta a discussão em torno da ética, como fez Gilberto Braga, Manuela Dias, autora de Amor de mãe, vai além. A luta ambiental, a ganância do capital, diálogos feministas ou críticos ao machismo e romances inter-raciais sem um contexto de conflito (alguém pode achar excesso de romantismo da autora, mas ela já disse numa entrevista que foi uma opção pessoal naturalizar o tema), por exemplo, atravessam toda a história.
 
E a discussão sobre ética, embora mais evidente na personagem Vitória (Taís Araújo), está presente em atos de todos os personagens. Inclusive nos da mãe coragem Lurdes (Regina Casé), capaz de tudo para proteger seus filhos – até entrar num presídio levando um celular dentro de um bolo ou dar um jeito de acessar sem autorização o arquivo de um hospital.

Mas, em meio a tudo isso, nada é tão emblemático quanto a personagem Camila (Jéssica Ellen), a professora idealista e corajosa, negra e de origem pobre de Amor de mãe, que, em busca de justiça, enfrenta uma diretora sem escrúpulos, um policial truculento e quem mais vier. Camila, aliás, lembra visualmente Marielle Franco, com seu turbante e sua altivez. E isso não deve ser coincidência.

Será que a professora terminará misteriosamente assassinada por milícias? É bem provável que não. O público que vibra com Amor de mãe certamente não vai se contentar em ver, no final, Álvaro (Irandhir Santos), o empresário sem nenhuma moral, fugir num jatinho dando uma banana para o Brasil, como fez Marco Aurélio (Reginaldo Faria) em Vale tudo. Os tempos são outros, e a capacidade redentora da ficção nunca se fez tão necessária.

*Rosualdo Rodrigues é jornalista


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