Jornal Estado de Minas

Estrelado por Isabelle Huppert, 'Frankie' foi escrito por brasileiro e rodado em Portugal

Sozinha na piscina do hotel, a mulher mais velha tira o sutiã do biquíni e entra na água para dar suas braçadas. A mulher mais nova chega e a repreende: algum hóspede pode querer tirar uma foto dela naquela situação. Ao que sua interlocutora responde: “Mas eu sou fotogênica”.




A cena, a primeira de Frankie, novo filme do diretor norte-americano Ira Sachs que estreia nesta quinta-feira (20) no Brasil, diz muito sobre aquela mulher. Frankie é a atriz Françoise Crémont, um ícone do cinema francês – basicamente a mesma coisa que sua intérprete, Isabelle Huppert. Em um momento crucial de sua vida, ela reúne a família para uns dias de férias em Sintra, Portugal. Só que, para além de dias idílicos na cidade histórica, há um acerto de contas à espera de todos.

A história de Frankie já foi contada de diversas formas no cinema. Aqui, Sachs, com seu habitual colaborador, o corroteirista brasileiro Maurício Zacharias (eles escreveram juntos os roteiros de Deixe a luz acesa, O amor é estranho e Melhores amigos), constrói um drama minimalista. Não há grandes arroubos, ainda que todos os personagens estejam no limite.

Centro de seu mundo, Frankie levou para Sintra todos os que a cercam. O segundo marido, o britânico Jimmy (Brendan Gleeson), é pai de Sylvia (Vinette Robinson). Esta não vê a hora de se ver livre de um casamento sem amor com Ian (Ariyon Bakare), com quem teve Maya (Sennia Nanua), que, na adolescência, a despeito dos problemas dos pais e da avó postiça, descobre na praia um amor.



Do primeiro casamento com o francês Michel (Pascal Greggory), Frankie teve Paul (Jérémie Renier), que está de mudança para Nova York. Tanto por isso, ela quer que ele se relacione com Ilene (Marisa Tomei), uma cabeleireira de cinema que se tornou muito próxima da atriz. Ilene frustra seus planos ao desembarcar em Portugal com um novo namorado, o assistente de direção Greg (Gary Kinnear), que só pensa em dar o próximo passo, tanto na vida pessoal quanto profissional. Todos do grupo estão em um momento de avaliação, seja do casamento, da solidão, do trabalho, dos sonhos.

XADREZ 

Frankie monta seu tabuleiro de xadrez e espera que seus “peões” ajam de acordo com o que ela almeja para eles. Obviamente, as coisas não acontecem como o esperado. Na ação do filme, tudo se passa durante um único dia. Os encontros, em separado, ocorrem em mesas de café, quartos de hotel e caminhadas pela natureza exuberante da região.

Conhecido por ambientar suas histórias em Nova York, Sachs, ao mover-se para Portugal, procura fugir do óbvio. Para evitar se tornar mais um turista naquela cidade, o cineasta concentra boa parte da narrativa na Quinta de São Thiago, atualmente uma pousada, e no Parque da Pena. Cria inclusive sua própria montanha, chamada Peninha no filme, um lugar que não existe. E evita os pontos turísticos mais conhecidos, como a Quinta da Regaleira, que é apenas citado por um dos personagens. Mas demonstra seu encanto pela azulejaria portuguesa, ao filmar duas cenas no mesmo ambiente.



Frankie parece ter planejado tudo. Colocou os que lhe são próximos num ambiente aparentemente casual. Todos vagam por ali revelando pouco a pouco, através das conversas, quem são. Com uma sutileza que impressiona, os personagens vão mudando. Frankie, por seu lado, quer controlar todos, mesmo consciente de que seu destino (trágico) ela não tem como mudar. Mas recusa a autopiedade.

A interpretação, sempre contida e por vezes blasé de Huppert, é um dos pontos altos do filme. Mas,  mesmo com um ótimo elenco e alguns bons momentos, Frankie é deveras plácido ao tratar de amor, morte, desejo. A vida tem que pulsar.