Aos 77 anos e com pelo menos três personagens icônicos em sua carreira, Harrison Ford poderia estar descansando em sua casa de campo em Los Angeles, onde gosta de se refugiar. Mas ele não para. Além de revisitar Han Solo na série Star wars, Rick Deckard em Blade runner 2049 e, em breve, Indiana Jones no quinto longa da saga, ele faz filmes como O chamado da floresta, de Chris Sanders (Como treinar o seu dragão), que estreia nesta quinta-feira (20) no Brasil.
Na produção, inspirada no livro O chamado selvagem, de Jack London, ele é John Thornton, que mora na região de Yukon (Canadá) durante a Corrida do Ouro no século 19, e faz amizade com o cachorro Buck, nascido na Califórnia e roubado para ser vendido como cão de trenó.
Buck foi inteiramente criado por computação gráfica. “Foi melhor do que filmar com animais de verdade, o que é sempre meio complicado”, disse o ator, bem-humorado, em entrevista na Cidade do México. “Tive um ator e ex-bailarino do Cirque du Soleil, Terry Notary, com quem contracenar. De qualquer modo, o trabalho do ator é fingir. Achei divertido. Só foi estranho quando tive de coçar a orelha do Buck, por exemplo”, contou, rindo.
Harrison Ford também se conectou com a mensagem do filme, de harmonia com a natureza. Há décadas, ele é um defensor do meio ambiente e membro do conselho da ONG Conservation International. Na entrevista a seguir, ele fala sobre o filme, seus papéis icônicos, o Brasil e o meio ambiente.
Por que quis fazer o filme?
O livro valia a pena, mas, neste caso, queríamos fazer um filme para toda a família – a história original é dura. Queríamos fazer o tipo de filme que Hollywood produzia muito e hoje quase não existe mais. Nunca tinha feito um filme para a família, por mais que Indiana Jones e Star wars tenham virado fenômeno e passado de geração a geração.
O chamado selvagem é um clássico da literatura americana e mostra a jornada de Buck. Acha que as pessoas se conectam com o filme pela emoção do cachorro?
Acho que o ponto de vista é compartilhado entre Buck e John, meu perso- nagem. Mas, no livro, John não tem passado. Não sabemos de onde ele vem. Ele salva Buck e o ajuda a continuar em sua aventura. Então quis que John tivesse uma vida, uma história paralela e humana, emocionalmente significativa. No filme, é um homem que deixou a civilização, sua casa e sua família por causa de uma tragédia – seu filho morreu. Ele foge do Alasca para escapar de seus problemas emocionais e encontra Buck. Eles são úteis um para o outro. É a história de Buck procurando seu lugar no mundo e John ganhando coragem por meio de sua relação com Buck para reassumir suas responsabilidades.
A história já foi contada outras vezes no cinema. Acha que a tecnologia ajudou a criar uma versão maior e mais ambiciosa?
Sim, a computação gráfica melhorou muito nos últimos anos. Quando fizemos Star wars, usamos maquetes e miniaturas para a Estrela da Morte, por exemplo. Era muito trabalhoso. Agora, podemos representar a natureza e o mundo natural de modo admirável. Pudemos recriar a beleza da natureza, a vastidão, a escala de uma maneira bonita.
Filmes para a família como O chamado da floresta costumam passar mensagens positivas. Neste caso, a história fala muito de liderança generosa e ética, não?
Tudo se trata de liderança ética agora. Nossa história recente fez com que todas as histórias fossem sobre liderança. Alguns admiram as atuais lideranças, e outros estão perturbados com elas. Mas nosso destino depende de seguirmos um instinto positivo ou negativo. O filme fala de instintos positivos.
Há negatividade em excesso hoje em dia?
Sim. Mais do que precisamos. Devemos nos concentrar em resolver nossos problemas, não criar mais.
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E há muita divisão mesmo dentro das famílias hoje em dia.
Estamos acostumados a nos comunicar por máquinas, não dependemos mais da nossa habilidade de sentir a presença real de alguém e ver seu nível de investimento no relacionamento. Dá para inventar tudo. Então me preocupo com isso.
Você esteve no Brasil muitas vezes por causa de seu trabalho em prol da conservação do meio ambiente e recentemente se pronunciou na ONU sobre a situação na Amazônia. Continua acompanhando de perto?
Sim. Estou muito preocupado, primeiramente com os povos indígenas que vivem nessas áreas e as ameaças a eles. E, claro, estou preocupado com o clima, com as prioridades nacionais, com as internacionais, com o comprometimento humano com o outro e a vida na Terra e não só com as oportunidades econômicas.
Acredita que houve algum progresso nos últimos anos?
Melhorou em alguns lugares e piorou em outros. O Brasil é muito complexo, e tenho certeza de que há muitas complexidades com as quais não estou familiarizado. Mas é um país vibrante, rico. E temos nos Estados Unidos essas questões também. Mas o povo brasileiro é resiliente, progressista e trabalhador. E tenho certeza de que vai prevalecer.
Por que defendeu em seu discurso na ONU que se mandasse dinheiro diretamente para os povos indígenas e a sociedade civil?
Por causa do que eles estão sofrendo. Eles estão sofrendo enormemente e são os protetores naturais, conhecem a fundo a terra. E sabem viver confortavelmente com a natureza e permitir que ela prospere. Têm respeito pela terra. Ela está viva para eles, assim como a natureza, que é uma criatura. E sua história é muito poderosa, a conexão dos povos indígenas com os lugares onde vivem.
Você tem revisitado seus personagens mais famosos – primeiro Han Solo, depois Rick Deckard em Blade runner 2049, e Indiana Jones em breve. Está se despedindo de seus personagens?
Não estou indo embora, não! A verdade é que eu gosto. Se forem bons filmes, quero fazer. Daí meu interesse por esses personagens e histórias. (Estadão Conteúdo)