Com o sucesso de Pantera Negra e Creed – Nascido para lutar, Michael B. Jordan conquistou uma certa posição em Hollywood. Pois ele decidiu usar seu cacife para contar, em Luta por justiça, em cartaz nos cinemas desde quinta-feira (20) passada, a história de Bryan Stevenson, um advogado que, formado em Harvard, decidiu ir para o Alabama, um dos estados americanos mais pobres, para defender pessoas no corredor da morte.
Em seus mais de 30 anos de atuação, Stevenson conseguiu libertar centenas de acusados injustamente ou diminuir suas penas, chamando a atenção para a assistência jurídica inadequada e preconceituosa a pessoas pobres no país, que prejudica principalmente homens jovens negros.
"Colocamos muito tempo, esforço, sangue, suor e lágrimas para contar sua história direito", disse Michael B. Jordan. "É muito importante ver um homem negro salvando outro homem negro", afirmou o ator. Jamie Foxx, que também estrela o filme, disse que esse é seu trabalho mais importante.
"Serei eternamente grato a Michael B. por me dar a oportunidade de reconquistar minha integridade artística." O filme, baseado no livro do próprio Stevenson e dirigido por Destin Daniel Cretton (Temporário 12, O castelo de vidro), mostra como o advogado se apaixonou pela causa quando ainda era estagiário e tomou a decisão de defender pessoas que ninguém mais queria defender, mesmo tendo a possibilidade de conseguir um belo emprego depois de cursar a faculdade de direito de mais prestígio dos EUA.
Decide se instalar em Montgomery, Alabama, palco de muitos marcos da luta pelos direitos civis nos anos 1960, como a ação de Rosa Parks contra a segregação racial nos ônibus, e com uma população majoritariamente negra. Brie Larson interpreta sua assistente, Eva Ansley.
Os principais casos mostrados no filme são os de Walter McMillian (Foxx), mandado para o corredor da morte pelo estupro de uma jovem branca, e Herbert Richardson (Rob Morgan), que matou uma menina ao plantar uma bomba na varanda da ex-namorada.
Ao investigar os casos, Stevenson descobriu falhas graves. McMillian foi colocado no corredor da morte antes mesmo de seu julgamento, inúmeras testemunhas não foram ouvidas, e um outro preso, Ralph Myers (Tim Blake Nelson), foi pressionado a acusá-lo.
Richardson de fato colocou uma bomba na varanda da ex-namorada, mas a morte da menina não estava em seus planos, e seus traumas por ter lutado no Vietnã não foram levados em conta. "Minha ideia é que, ao ver sua interpretação, cada espectador se pergunte se, naquelas circunstâncias, a pessoa realmente merecia tal punição", disse Morgan.
"Como Bryan diz, não podemos ser definidos apenas pelo nosso pior ato."O problema é que o sistema não é 100%. "Se a gente soubesse que, a cada 10 maçãs de uma cesta, uma causa a morte, ninguém poderia vender maçãs neste país, como afirma Bryan", diz Michael B. Jordan.
E, no entanto, os dados hoje mostram que, a cada 10 condenados à morte, um é inocente. "Quando o sistema for 100%, podemos ter essa discussão. Até lá, a pergunta não é se eles merecem morrer, mas se nós temos o direito de matar."Como homens negros nos Estados Unidos, Michael B. Jordan, Jamie Foxx, Rob Morgan e Bryan Stevenson sabem que o sistema não os favorece.
"Outro dia mesmo, fui pedir panquecas e a atendente me perguntou se eu poderia pagar", contou Jamie Foxx. Pouco depois de defender um caso diante da Suprema Corte, Stevenson foi advertido num tribunal, confundido com o acusado. "Aconteceu muitas vezes. Daí tenho de me desculpar por não ter me apresentado ao juiz."
Segundo dados de julho de 2019, 41,68% dos presos no corredor da morte eram negros, sendo que eles são 12,3% da população nos EUA. Por causa do preconceito racial evidente, o governador da Califórnia, Gavin Newson, anunciou a suspensão da pena de morte no estado.Stevenson deixa claro que não é contra a punição.
"Mas meu argumento é de que devemos punir de forma justa, tendo em mente sempre a tentativa de misericórdia e redenção, dando a oportunidade para que aquela pessoa se recupere, ao mesmo tempo que promovemos a segurança pública."
Mesmo tratando de um tema tão urgente e difícil quanto a pena de morte, Luta por justiça não pesa a mão para fazer ninguém se emocionar. A ideia é provocar reflexão e também inspirar. "Queremos que as pessoas saiam do cinema pensando em como podem ajudar", afirmou Michael B. Jordan. É o que Brie Larson tirou da experiência. "Bryan fala muito sobre esperança. E ela é a fundação desse longa, porque temos de acreditar num futuro melhor para trabalhar em direção a ele. O desespero e a desesperança não levam a nada."
O “superpoder” da esperança
Logo no início de Luta por justiça, ao conversar com um homem condenado, o advogado Bryan Stevenson se dá conta de que, não fosse por um ou outro detalhe, podia ser ele no corredor da morte, ou na prisão. Os dois tinham sido criados num lugar pobre, indo à igreja todos os domingos. Ele foi para Harvard; o outro, para a cadeia. Quando Stevenson nasceu, ainda estavam em vigor as leis de segregação Jim Crow.
"Comecei minha educação numa escola para negros", diz ele. "Crianças negras não podiam frequentar escolas públicas. Advogados tiveram de lutar para que abrissem as escolas para nós."
Ele é prova, portanto, de que os advogados e as leis fazem diferença na vida das pessoas. "Mas temos um sistema que o trata melhor se você for rico e culpado do que se for pobre e inocente", disse. "E isso é agravado pelo alto número de pessoas que prendemos neste país. Setenta milhões de americanos têm passagem pela polícia, o que atrapalha na hora de conseguir emprego ou empréstimo."
E, claro, há a questão da raça, que ele viveu. "Temos um legado que começou com o genocídio dos povos nativos e depois se sustentou com dois séculos e meio de escravidão. Tivemos uma era de terrorismo racial e linchamentos. E um apartheid. Nossa história criou uma presunção de periculosidade e culpa dos negros e pardos – e não importa quanto talento e educação você tenha."
Stevenson visitou muitos países do mundo, inclusive o Brasil, em 1989. "Havia um esforço para trazer de volta a pena de morte", ele contou. O advogado disse que entende a vontade de usar a medida para coibir a violência.
"Mas meio século de punições severas e ameaças não melhoraram a segurança pública em meu país. Acho que os Estados Unidos fizeram um trabalho terrível, exportando essa ideia de que, se formos duros e punitivos, melhoramos a segurança. E não funciona assim. É preciso tratar a pobreza, o trauma e o abuso que deram origem à violência num local como o Brasil."Durante 20 anos, ele preferiu fazer seu trabalho com a discrição que parece ser um traço fundamental de sua personalidade.
"Não tínhamos nem placa na frente do nosso escritório", afirmou, referindo-se à organização Equal Justice Initiative. "Mas eu percebi que, se não mudássemos o clima fora dos tribunais, nunca conseguiríamos a justiça que procurávamos lá dentro."
Foi assim que decidiu fazer um TED Talk e lançar seu livro, que agora virou filme. Em suas quase três décadas de trabalho, libertou dezenas de condenados à morte ou diminuiu suas sentenças. Vivem perguntando se gostaria de entrar para a política. Ele não diz desta água não beberei.
"Mas sou um produto da decisão Brown vs. Conselho de Educação, em que a Suprema Corte deu fim à segregação nas escolas, porque advogados brigaram por isso, porque era um direito", afirmou.
"A democracia decepcionou as pessoas negras em meu país. A democracia tem falhas. Por causa dos direitos, posso ajudar muita gente, pessoas que ouviram que suas vidas não tinham significância, propósito ou valor, que estavam lutando para manter sua humanidade. Eu as vi encontrando a redenção. E isso é muito bonito."
Para ele, a esperança é essencial para a justiça, porque a injustiça prevalece onde há desesperança. "Se eu tenho um superpoder, é a esperança."