Jornal Estado de Minas

Laboratório de sensações, 'Híbrida' propôs novas vivências ao público

Giulia Puntel criou trabalhos que lembram Van Gogh
A união entre o profano e o sagrado, entre as palavras e o tecido, entre o clássico e o moderno. Essas são as principais propostas da exposição Híbrida, no Palácio das Artes, que será encerrada neste domingo (8). A mostra nasceu da conexão entre trabalhos individuais produzidos por Carolina Botura, Giulia Puntel e Julia Panadés. Juntas, elas promovem o cruzamento de fronteiras artísticas em diversas linguagens e suportes – pintura, bordado, objetos, fotografia e escultura. Em comum, as obras retratam o interesse pelo corpo humano, pela identidade de gênero e suas diversas formas de representação.



Corpo em obra é o conjunto de trabalhos em seda, linho, algodão, linha e madeira desenvolvidos pela artista plástica Julia Panadés. Poemas bordados em tecidos sobrepostos formam o belo vestido-tenda que ocupa o centro da galeria. Uma grande fenda permite que o espectador “vista”, literalmente, aquela roupa em tons pastéis trazendo a frase “As mulheres e as crianças são as primeiras que desistem de afundar navios.”

Julia explica que a relação de seu trabalho com o tecido é antiga. “Fui criada com ateliê de costura por perto, onde ficavam minha mãe, minha avó, minha tia... Tenho fascínio e intimidade com a linha e a agulha”, afirma.

Além do vestido-tenda, há uma série de bandeiras sobre as paredes brancas – as Flâmulas fêmeas e as Flâmulas em bando. Em comum, apresentam a diversidade de formas evocando anatomias possíveis, como vaginas em diferentes cores e tamanhos.



Flâmulas do naufrágio é sucesso de público. Trata-se de um livro-poema com versos bordados sobre camadas de tecido. As peças convidam o espectador à manipulação, proporcionando leitura dinâmica e surpreendente.

Visitantes folheiam os tecidos para desvendar uma série de dizeres – “Intimidade/ é uma casa pequena”; “Nem só má/ Nem só terna/ Materna”; “Ela/ Desfazia o que tecia / como oferta ao recomeço”. A obra de Julia remete à força criadora da mulher tanto no campo da arte quanto na geração da vida.

A fotógrafa Lorraine Nádia, de 24 anos, foi ao Palácio das Artes conferir Híbrida. Para ela, tanto o bordado quanto o vestido-tenda falam da libertação da mulher. “A artista se expressou de uma forma muito bonita. Me chamou a atenção o bordado no vestido que diz 'Criar as chances/ Ter as chances/ Criar com as chances que tem, por mínimas que sejam/ Por maiores que pareçam/ É preciso que se crie nelas/ Para que se possa criar com elas'”, comenta.



O livro-poema conquistou a estudante Brenda Luíza Rodrigues de Oliveira, de 23. “Achei a frase 'você me lembra algo que eu sempre esqueço' muito forte. Ainda estou no processo de digerir todo o conteúdo dessa exposição, mas me identifiquei pelo feminino. Fiquei muito tocada. O feminino é mais amplo do que nos querem convencer”, afirma.

ATELIÊ ABERTO

Vídeo dialoga com pinturas na instalação Amantes, de Carolina Botura
Um dos destaques do projeto foi a transformação da galeria em ateliê aberto. Ao longo da temporada, Julia Panadés ficou à disposição dos visitantes, que sugeriram novos trabalhos e até alteração de algumas obras. Não havia dias e horários fixos para esse contato. “Trabalhei em ocasiões pontuais. Isso porque os trabalhos estavam avançados”, diz. Em 2012, ela havia feito a experiência em outra mostra.

“Trabalhar com o público é experiência muito rica, você ouve o que as pessoas estão falando. Elas demoram a entender que o artista está presente ali. Fico no canto trabalhando, é muito interessante escutar os comentários, observar movimentos. Muitas vezes, o segurança diz quem eu sou. É divertido”, revela.



Na última quarta-feira, quando o Estado de Minas visitou Híbrida, Julia não estava na galeria. Essa ausência frustrou Débora Aparecida de Souza, de 24 anos, que torcia para encontrá-la.

“É legal quando acontece esse tipo de mediação entre artista e a obra exposta. Não é todo mundo que tem acesso, não é muita gente que entende”, comentou Débora.

CORPOS VIBRANTES
Ao lado dos trabalhos de Julia Panadés está Adoraria gritar mas minha boca está cheia, conjunto de obras desenvolvidas por Giulia Puntel. Com suas cores vibrantes, os quadros propõem uma reflexão sobre os corpos – sobretudo de mulheres – atravessados por uma construção que se completa a partir de encontros e relações. Há algo de misterioso ali. Nenhuma obras traz nome ou legenda. Por isso, é necessário observar atentamente para entender o movimento dos personagens nas telas.

Enquanto um dos quadros remete a cores e traços do holandês Van Gogh (1853-1890), mostrando uma mulher de antigamente que parece pentear perucas, outro retrata a personagem contemporânea, com piercings, observando no espelho os cabelos raspados, tingidos de loiro e com mechas de onça.


NA MESA COM maria

A instalação Amantes, criada por Carolina Botura, traz pinturas, litogravuras, esculturas e vídeos. A artista trabalha a união entre o profano e o sagrado, mesclando misticismo e realismo. Um relógio traz a imagem da Última Ceia ao fundo. A artista substituiu todos os homens ao redor da mesa por figurinhas de Maria – como aquelas colecionadas, trocadas e coladas em cadernos. Assim, apenas Marias se sentaram à mesa na última refeição que Jesus dividiu com os apóstolos antes de sua crucificação.

Maria é retratada diversas vezes nas obras de Carolina Botura. Em outra peça, há o ovo, o útero, os ovários e o pênis.

Ao percorrer a galeria, Débora Aparecida se surpreendeu com todos esses detalhes. “Achei que seria algo, mas encontrei outra coisa. Quando vi o título Narrativas femininas, pensei em uma exposição sobre feminismo, que passaria a ideia da luta das mulheres. Quando cheguei, deparei com isso, sim, mas de outra forma. Vi o empoderamento feminino através da arte das mulheres. Há trabalhos mais pessoais e intimistas, simples e complexos. Vale muito a pena conferir.”

HÍBRIDA
Várias linguagens. Galerias do Palácio das Artes.
 Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, 
(31) 3236-7400. Hoje (último dia), das 17h às 21h.