Marcada para maio, a Bienal Mineira do Livro foi adiada para setembro em função da pandemia do coronavírus. Olavo Romano, homenageado desta edição, entende que o momento é “de recorrer às gavetas, que podem ser até o HD do computador”. Seguindo rigorosamente as orientações de distanciamento social e isolamento residencial, o escritor, de 81 anos, aproveita para ler novos livros, reler outros e se envolver novamente com textos que o levaram a conquistar lugar de destaque na literatura mineira.
Com cerca de 20 livros publicados, o presidente emérito da Academia Mineira de Letras dedica as homenagens que vem recebendo aos antepassados. “Isso me emociona pelo lugar de onde venho, pelo esforço dos meus ancestrais para que eu e meus familiares pudéssemos seguir o nosso caminho”, diz Romano, natural de Morro do Ferro, distrito de Oliveira, na Região Oeste de Minas. Essas raízes estão fortemente presentes em sua obra.
Reconhecido como notável contador de causos, daqueles típicos do imaginário mineiro, o autor de A cidade submersa: e outras histórias sortidas (Editora Ramalhete, 2016) observa com sensibilidade o distanciamento imposto pela pandemia, que altera alguns costumes, mas resgata outros.
Embora descarte a existência de uma única identidade cultural no estado, sobretudo com o passar das décadas e o crescimento das cidades, ele brinca: “Se um mineiro conversa 15 minutos com alguém, ou vira parente ou vira compadre. Para pessoas assim, estar confinado pode ser quase uma violência.” E pondera: “Observo que as pessoas estão conversando mais, telefonando mais umas para outras. Até quem não era muito disso tem me ligando esses dias.”
O escritor reconhece a gravidade da situação e garante: não sai de casa para nada. “Eu e a Kátia, minha mulher, não saímos. Para nossa sorte, temos uma neta muito carinhosa, que tem feito todas as compras que precisamos”, conta.
Olavo ainda encontra brechas para desfrutar segundos mais afetuosos com a família, sem abrir mão de se precaver. “Outro dia, meu filho veio trazer bananas e taioba da horta dele. Ia deixar na portaria, mas pedi que subisse, só para ver a cara dele, como ele está. Sem chegar perto, depois conversamos por telefone ou mensagem”, revela o escritor, que mora em Belo Horizonte.
MASSACRE
Embora assista a um filme por dia, a grande aliada nos dias de isolamento, como era de se esperar, é a literatura. No momento, Olavo Romano se diz imerso em Enterrem meu coração na curva rio, lançado em 1970 pelo norte-americano Dee Brown. Empolgado, descreve o romance sobre o massacre imposto pelo homem branco sobre indígenas da América do Norte como “emocionante e terrível”.
Nos intervalos, outra opção é a releitura da obra-prima de Guimarães Rosa, Grande sertão: Veredas. “Estou lendo devagarinho ridicando, como dizemos lá no interior. Tudo para entrar na lógica do texto. Cada vez que leio novamente, vejo outra coisa. É uma sinfonia, uma coisa fantástica.”
Rever Guimarães é o exemplo que Olavo Romano dá sobre a importância de revisitar “as gavetas”, retomando projetos e ideias antigos nesta época de quarentena. “É o tempo de fazer algo que tínhamos vontade, mas não tivemos tempo. Escrever alguma coisa, reinventar a vida. Caso contrário, afundamos. Como diz um amigo lá de Morro do Ferro, muito sábio e bem-humorado, estamos aqui, a princípio, só para buscar uma muda de roupa. Afinal, a gente nasce pelado e morre vestido. Ou seja, as possibilidades são muitas”, reflete.
Nesse sentido, o tempo de reclusão é também de trabalho. Ele cuida da edição de novos títulos da Editora Caravana e da reedição de algumas de suas obras, como Minas e seus casos (1982), além Prosa de mineiro (1986) e Dedo de prosa (1986), que devem se juntar no mesmo volume. Novidades que serão compartilhadas com o público na Bienal, remarcada para 18 a 27 de setembro, no BH Shopping.