Jornal Estado de Minas

Coronavírus é o 'muso' de outono. No rap, samba e rock and roll

Bono, Di Ferrero (acima), Pretinho da Serrinha e Moacyr Luz transformaram a quarentena em música e as redes sociais em palco (foto: Instagram/reprodução)
O novo coronavírus afetou drasticamente a rotina de músicos em várias partes do mundo. Shows e festivais foram adiados ou cancelados, gravações acabaram suspensas. Além da agenda brutalmente alterada, essas mentes criativas enfrentam a quarentena. Porém, é possível criar, oferecendo interpretação especial deste momento ímpar da história.



Na segunda-feira (30), o rapper baiano Baco Exu do Blues lançou o EP Não tem bacanal na quarentena, produzido durante três dias no estúdio caseiro montado por ele em parceria com o engenheiro de som Dactes. Com nove faixas, o lançamento se antecipa a Bacanal, o terceiro álbum de estúdio do artista, previsto para abril. O cantor e compositor não conseguiu segurar as inquietações destes dias de isolamento e liberou as rimas nas plataformas digitais.

“É muito importante usar a música como forma informativa neste momento. Muita gente fica no Twitter e no Instagram sem saber o que está acontecendo de verdade, então é necessário sair da bolha”, argumenta Baco, que já estava recolhido em casa antes da pandemia por causa de uma lesão no braço. Segundo ele, os desdobramentos do aumento do número de casos da COVID-19 no mundo e no Brasil inspiraram as novas letras.

Conhecido pela crítica social contundente de suas composições, ele mantém o tom nas novas faixas, mas no contexto “preso em casa”. Baco dispara contra o presidente da República em Amo a Cardi B e odeio o Bozo, cuja letra diz: “Trabalhadores na rua/ O papa é pop/ Quarentena é pop/ Cardi B fez mais que o presidente/ Porra, amo o hip-hop.”



“A letra é sobre as decisões estúpidas tomadas pelo nosso presidente. Quando a gente vê aquele vídeo da Cardi B que viralizou, mandando o povo lavar a mão e ficar em casa, isso faz com que ela, uma rapper, uma figura do pop, esteja sendo mais zelosa com a população e mostre mais conhecimento sobre a situação do que o presidente do Brasil”, explica Baco.

A letra de O sol mais quente diz: “Coronavírus me lembra a escravidão/ Brancos de fora vindo e fudendo tudo”. Em Tropa do Babu, o baiano homenageia o ator Babu Santana, participante da atual edição do Big Brother Brasil. “Nesses dias, acabei até acompanhando o BBB pela diferença de tratamento que vemos Babu receber por ser negro, em relação aos participantes brancos. Isso é muito potencializado”, afirma o rapper.

“Coloquei no EP coisas que têm a ver com a minha angústia de estar preso em casa, de vários sentimentos suprimidos. É uma coisa comum, sentimos medo, somos todos humanos, mas é um momento em que não se pode estar perto das pessoas. Embora fale de vários assuntos, a angústia é constante nas letras. Ao mesmo tempo, tento deixar os títulos leves, mesmo falando de coisas pesadas”, explica Baco.



A arte da capa, assinada por Guil, remete ao rapper norte-americano The Notorious Big e aos tempos atuais, trazendo um enorme urso de pelúcia de máscara e um frasco de álcool em gel.

SAMBA 

No Brasil, os estúdios de gravação estão incluídos nas atividades comerciais suspensas pela quarentena. Mesmo assim, novas músicas surgem, aproveitando facilidades das redes sociais. Na última semana, o sambista carioca Moacyr Luz usou o Instagram para lançar Tanto, tanto, resultado dos dias de isolamento. “Tanto verde, tanto mar/ não posso tocar/ Quanta mesa, tanto bar/ não pode sentar /Tanta boca/ Tanto amor/ nada adiantou/ Não posso beijar”, diz a letra. A esperança vem no verso “Sei que vai passar”.

O cancioneiro da pandemia tem também tons mais dramáticos. Em 12 de março, Di Ferrero, ex-vocalista da banda de rock NX Zero, testou positivo para a COVID-19. Recuperado da doença, que lhe tirou o fôlego para cantar, ele compôs uma música sobre o que viveu. Em Vai passar, lançada no Instagram, ele diz: “Um som pra acalmar/ Pôr as coisas no lugar/ Mais amor em casa/ Pra imunizar a alma/ Deixar toda a casa arrumada/ Se deitar lá no sofá da sala/ Resolver as intrigas e mágoas/ Rever antigos conceitos/ Botar fé que o mundo tem jeito/ Sentir lá no fundo do peito/ Vai passar/ E logo a gente voltar a se abraçar”.

HUMOR 
Apesar das angústias das letras, há espaço para o bom humor, inclusive aliado a campanhas de conscientização sobre a COVID-19. O sambista carioca Pretinho da Serrinha, nome artístico do instrumentista Angelo Silva, recorreu ao Instagram para lançar o que batizou de “Partido álcool”. Com o objetivo de alertar sobre os cuidados necessários para barrar o novo coronavírus, ele convidou colegas para criar um partido alto, modalidade de samba baseada no improviso.



Pelo menos 10 artistas participam da iniciativa – entre eles, Dudu Nobre e o vocalista do Molejo, Anderson Leonardo. Apesar do tom descontraído, o recado é sério: “Para tu não parar no céu/ Lave bem as duas duas mãos/ E não esqueça o álcool gel” e “Se você ficar em casa/ Todo mundo agradece/ É melhor não criar asa/ Esse mal ninguém merece”. Pretinho da Serrinha juntou todas as colaborações em um vídeo de cinco minutos, disponível em sua página no Instagram.

ITÁLIA

Sem lançar inéditas desde 2017, a gravidade da situação na Itália, em particular, onde a
COVID-19 já matou 11 mil pessoas, fez com que o cantor Bono voltasse a lançar uma canção. Em 17 de março, o vocalista do U2 usou o perfil oficial da bandairlandesa nas redes sociais para divulgar Let your love be known (Deixe seu amor ser conhecido, em tradução livre). A letra começa descrevendo Dublin, a capital irlandesa, com ruas e praças desertas. Em seguida, fala sobre a incerteza e a solidão, mas traz uma mensagem de perseverança, exaltando a música como forma de superação. “Cante como um ato de resistência/ Cante que seu coração está derrubado/ Quando você canta, não há distância/ Então deixe seu amor ser conhecido”, diz o refrão.
 PARÓDIAS

Em outros ritmos, surgiram várias paródias no Brasil e no exterior. No México, o grupo tradicional El Capi lançou El coronavirus, com clipe no YouTube em que os integrantes aparecem bebendo cerveja Corona. Apesar da ironia, a letra alerta: “Seja cuidadoso porque você pode pegar/ Se você não se cuidar, isso pode te matar”. No Brasil, o capixaba Alemão do Forró compôs e gravou sua versão acústica sobre o tema do momento, publicada no Instagram. “Tenho o meu jeito por aqui eu vou dizer/ Álcool em gel todo momento/ Minhas cachaças vou beber/ E não vou lhe cumprimentar.”