Em tempos de coronavírus, quando as produções de zumbis estão na ordem do dia, um filme francês aborda a temática de maneira absolutamente original. Zombi child, dirigido por Bertrand Bonello (de Saint Laurent e O pornógrafo), não é indicado para adeptos dos sustos fáceis e narrativas distópicas.
Disponível nas plataformas de streaming, o longa intercala dois momentos temporais: o Haiti de 1962 e a França da atualidade. Ele parte de uma história real, que nunca foi devidamente esclarecida. Em abril de 1962, o haitiano Clairvius Narcisse chegou a um hospital de seu país reclamando de febre. Morreu pouco depois e foi enterrado como de costume.
Porém, alguns dias mais tarde, o caixão foi violado e um feiticeiro o levou embora, transformando-o em escravo numa plantação de açúcar. Assim como outros colegas, era sustentado por uma bebida misteriosa que o colocava em estado zumbi.
Essa é a história descrita em livros. Com esse mote, Bonello construiu a narrativa que vai e volta no tempo, do Haiti à França. Mélissa (Wislanda Louimat) é uma das novas alunas de um internato de elite, fundado por Napoleão Bonaparte para educar descendentes de homens e mulheres que receberam a Legião de Honra.
Mélissa é uma das poucas negras daquele local. Quieta e fã de uma música original, pouco comum ao universo das colegas, a garota logo suscita o interesse de Fanny (Louise Labèque), que vive com a cabeça no namorado distante.
Fanny quer que Mélissa se junte à sua irmandade. Para tal, deve conseguir aprovação unânime do pequeno grupo, que não demora a se interessar pela haitiana, órfã do terremoto de 2010. A garota só tem uma parente na França: a tia Katy (Katiana Milfort), sacerdotisa de vodu.
Essa narrativa é revelada pouco a pouco na primeira metade da trama. Nas sequências na França e no Haiti, ex-colônia francesa, Bonello vai explorando as diferenças entre os dois países. Na sala de aula, um professor francês explica os pecados do imperialismo e a diferença entre liberdade e liberalismo. Em solo haitiano, escravos zumbis passam fome e não podem parar de trabalhar, a despeito das condições mais do que precárias impostas a eles.
CONEXÃO
Fanny é fascinada por vodu, mas por razões totalmente egoístas. Mélissa, mesmo distante de sua terra natal, não perde a conexão com os antepassados, mesmo depois de interagir com o mundo pequeno-burguês das colegas.
Na segunda metade do filme, a trama ganha corpo e a morosidade da parte inicial dá lugar a uma sucessão de acontecimentos intensos e fora do comum.
Buscando sair do óbvio, Bonello trata de várias questões em seu novo longa. Escravidão, subserviência, liberdade, hipocrisia, religião, identidade. A costura final do filme traz até um toque otimista. Estranho do início ao fim, Zombi child tem lá seus encantos. E é o filme de zumbis mais real que você vai encontrar.
ZOMBI CHILD
l Direção: Bertand Bonello
l Disponível nas plataformas iTunes, Google Play, YouTube, Vivo Play e Now