Fernanda Gomes*
“Tá todo mundo superdisposto. Melhor dançar dentro de casa do que não dançar.” Essa animação toda vem de Kdu dos Anjos, gestor do Instituto Lá da Favelinha, que funciona no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte. O mundo parou, mas o centro cultural está a todo vapor, oferecendo aulas de dança on-line, produzindo jalecos e máscaras, arrecadando e distribuindo cestas básicas.
“Estou trabalhando até mais do que antes da quarentena. Trabalho bem pela internet, consigo resolver tudo lá”, comemora Kdu. A Favelinha, como o instituto é chamado, tem despertado a atenção do mundo. Máscaras criadas por costureiras de BH foram parar na live que reuniu Lady Gaga, Paul McCartney, Rolling Stones e Stevie Wonder, entre outros superastros da música, em 18 de abril.
Antes disso, a garotada da Serra havia exibido os coloridos acessórios anticoronavírus em reportagem do jornal americano The New York Times, nas fotos assinadas por Douglas Magno. Depois, as imagens chegaram ao londrino The Guardian.
A entidade belo-horizontina chama também a atenção na cena fashion. Mantém o projeto Remexe Favelinha, ateliê que reúne as costureiras do Aglomerado da Serra, promovendo desfiles tanto nos becos da comunidade quanto em eventos de moda. Jovens moradores são top models da grife.
Trabalho não falta no centro cultural instalado na maior favela de Minas. “Na primeira semana, nós nos disponibilizamos para produzir, de forma voluntária, jalecos para os trabalhadores da saúde. Uma das costureiras fez a máscara como um mimo para esses profissionais. Postei a foto nas redes sociais, uma empresa viu e pediu mais. Depois, começaram a fazer matérias e bombou”, conta Kdu.
Vendidas on-line pelo instituto (@ladafavelinha), as máscaras têm preço em conta (R$ 5 a unidade). As recomendações sanitárias são seguidas cuidadosamente. O pagamento se dá via cartão ou depósito bancário, para preservar os motoboys encarregados de levar a mercadoria.
AULAS
As redes sociais são aliadas da Favelinha, que, mesmo durante o isolamento social, mantém seus projetos ligados à dança. As aulas vêm sendo transmitidas pelo Instagram – o acesso custa R$ 10. Quem colabora com os projetos de financiamento virtual do centro de cultura não paga.
Kdu planeja uma novidade: a batalha de passinho on-line. Antes de o coronavírus impedir a circulação de pessoas, jovens dedicados a essa modalidade de dança – que mescla hip-hop, samba e frevo – participavam de animados concursos nas ruas, teatros e espaços de cultura. Agora, o palco será a internet.
“É uma forma de movimentar o projeto, que está aprovado na Lei de Incentivo à Cultura”, explica o gestor. Segundo ele, os dançarinos já concordaram em participar. O vencedor levará o prêmio de R$ 5 mil. “Todos estão animados com a ideia”, conta. O próximo passo é obter o sinal verde da prefeitura da capital. “Acho que vai dar certo. Confesso que não é o que eu queria, pois queria fazer a batalha presencial. Mas não é o momento. Todos temos de nos cuidar”, diz.
O gestor do Lá da Favelinha diz que é preciso conviver com os novos tempos. “Vamos nos adaptando para gerar conteúdo e entretenimento, principalmente para os jovens da comunidade”, ressalta Kdu.
Outra frente de ação é o apoio a famílias do aglomerado. A maioria delas perdeu renda após a decretação do confinamento. Kdu e colaboradores trabalham remotamente para recolher e distribuir alimentos e produtos de higiene.
DISCO
Além de coordenar as atividades do centro cultural durante a quarentena, o gestor da Favelinha aproveita os dias de isolamento social para trabalhar em seu novo disco de rap. Por causa disso, há 15 dias ele mora no estúdio de gravação com um amigo, produtor musical.
“Tá sendo tranquilo. Ele está lá no estúdio 'fritando', eu fico por conta dos e-mails, mensagens, limpeza e comida. O que pesa mais é a vontade de sair, ver gente e abraçar”, afirma o rapper.
Desde a criação do Lá da Favelinha, Kdu deixou sua carreira musical em segundo plano. O novo álbum será o primeiro trabalho dele em seis anos. “Nesse disco, trago bastante a reflexão sobre o tempo das coisas e a velocidade como tudo acontece hoje em dia”, adianta.
“Tem uma canção bem forte, que fala sobre o genocídio da juventude negra. Ela é baseada na história de uma criança que cresceu comigo e foi assassinada numa disputa entre gangues”, conta Kdu. A música se chama Thiaguinho. De acordo com ele, o disco terá composições românticas, críticas e “algumas viagens”.
Criado em 2015, o Lá da Favelinha, inicialmente, funcionaria como oficina de rap e biblioteca em um pequeno imóvel no Aglomerado da Serra. Ao perceber as perspectivas promissoras do projeto, Kdu dos Anjos se juntou aos amigos para criar o instituto.
Atualmente, a instituição atende cerca de 500 pessoas, oferecendo 16 oficinas semanais de arte e educação, além de gerar renda para 70 moradores da comunidade.
*Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria
CAMPANHA
O cancelamento de shows e eventos trouxe prejuízos para o Instituto Lá da Favelinha, que lançou projeto de financiamento coletivo para pagar as contas e os colaboradores. “Estamos trabalhando em home office, gerenciando as doações que recebemos”, explica o gestor Kdu dos Anjos. As doações podem ser feitas pelo link evoe.cc/ladafavelinha.