Jornal Estado de Minas

TEATRO

Dramaturga mineira escreve peça a partir de diálogos do confinamento





Nos últimos dois meses, a dramaturga Silvia Gomez, mineira radicada em São Paulo, vem colhendo registros de suas interações durante o período de isolamento social via conferência, telefone ou WhatsApp. “São frases que poderiam estar em diálogos e, ao mesmo tempo, fazem sentido soltas, comunicam as urgências e o caos polifônico que estamos vivendo”, diz ela.





Silvia nomeou a iniciativa como Pequena coleção de frases em tempos de fundos pensamentos, que acabou se tornando também o título de uma peça que ela escreveu. “É uma peça de vozes, que pode ser feita pelo Zoom (aplicativo de teleconferência). É quase radiofônica”, comenta a autora.

Como temos visto e vivido as coisas de outro modo, ela diz, as conversas são fragmentadas. “Às vezes não se ouve direito, então a pessoa tem que repetir. E a repetição não é igual. A peça naturalmente espelha esse caos de pensamentos urgentes.”

Para Silvia, a escrita é essencial neste momento, “até para elaborar o tempo em que vivemos”. “Eu não consigo não escrever”, afirma. Mas a escrita é diferente. “Ela sai da ideia de teatro que a gente conhece, ainda que pela prática, a minha acaba tendo um pouco de teatralidade. Mas tenho percebido que as pessoas estão tendo conversas mais íntimas, como se não houvesse mais tempo para o que não seja urgente.”





Silvia estava prestes a vir a Minas Gerais com a montagem de seu texto Neste mundo louco, nesta noite brilhante, interpretado por Débora Falabella e Yara de Novaes, quando o período de isolamento em decorrência da pandemia do novo coronavírus foi instaurado.

O texto, com direção de Gabriel Fontes Paiva, rendeu à dramaturga uma indicação ao Prêmio Shell – a apresentação no Centro Cultural Usiminas, em Ipatinga, foi cancelada.

Ela não tem ideia de como será o teatro pós-pandemia. “Penso sobre isso, mas, neste momento, estamos no meio do furacão. É difícil olhar para o todo, e eu seria charlatã se arriscasse qualquer informação”, ela comenta.





ARQUITETURA

Paralelamente ao trabalho no teatro, Silvia é também jornalista, escrevendo principalmente sobre arquitetura. “Fazendo um paralelo com o teatro, os dois existem para o encontro. Fiz recentemente uma matéria sobre a ideia da cidade (pós-pandemia) e um dos arquitetos (entrevistados) me falou de Decamerão, escrito por Bocaccio a partir de 1348. Nos primeiros capítulos (já que a obra reúne 100 novelas), Boccaccio narra a fuga urbana das pessoas que vivem em Florença. Elas fogem da peste e vão para o campo. São 10 personagens, e 10 dias mais tarde, quando a peste termina, eles voltam para a cidade. Ele me disse isso para falar que a cidade não vai acabar.”

Fazendo novamente uma relação com os palcos, Silvia espera que o mesmo ocorra com o teatro, que “tem uma história de mais de 3 mil anos”. No entanto, ela acredita, ajustes deverão ser feitos.

“Talvez, quando voltar, sejam só monólogos. Já li que casas para 300 pessoas terão que ter uma plateia mais espaçada. Mas espero que ele possa voltar normalmente para que numa sala se possa viver o delírio, a vida simbólica”, diz.