“Eu me sinto muito grata de pensar que estou no melhor lugar do mundo neste momento. Só choro pelos filhos que perderam as mães e pelas mães que perderam os filhos”, afirma a atriz e dramaturga Cynthia Paulino, ao comentar como enfrenta a revolução imposta pelo coronavírus à vida das pessoas.
É preciso parar um pouco de reclamar e passar a agradecer, defende Cynthia. “Pare de buscar lá fora. Não é lá fora que você vai encontrar o que busca. O colo tá é aí dentro.” Apesar de reconhecer que frases como essa já se tornaram “clichê e estampa de camisa”, elas não deixam de ser verdadeiras, afirma.
O momento exige humildade de todos, sobretudo para perceber que chegou a hora de mudar. “Como era, jamais vai voltar a ser. São novos tempos, devemos encontrar uma nova forma de olhar para as coisas e de nos relacionarmos com elas. Mas que seja leve”, diz, especulando sobre o mundo pós-pandemia.
Cynthia passa a quarentena no apartamento onde mora com o marido, o ator Luiz Arthur, a filha, Linda, e os gatos Cher, Neil, Tim e Spike. “Quem tem bicho em casa tem um guardião, um mestre zen-budista e um massagista. Eles me alegram o tempo inteiro”, revela.
O isolamento é encarado com tranquilidade, apesar dos pesares. “Estamos sobrevivendo! Na verdade, sempre fui muito caseira. Não gosto muito de bagunça, gosto mais de bicho mesmo. O sofrimento vem por causa das notícias. Fica todo mundo muito ansioso, mas temos de seguir em frente, sem surtar.”
A atriz e dramaturga cita o título do último espetáculo escrito e interpretado por ela, Coisas boas acontecem de repente, peça que ficou em cartaz no ano passado. “Você conhece o chão, mas se levanta, vai em frente. Vamos pensar que isso vai passar. Acredito que no final vai ser muito bom. O tempo inteiro tem coisa ruim, mas coisas boas acontecem de repente”.
Porém, Cynthia critica a falta de posicionamento do governo a respeito das vítimas do coronavírus. “Nem uma nota oficial dirigida às famílias dessas pessoas”, lamenta. “Venho pensando em textos que honrem o sofrimento das famílias, das pessoas que estão indo.”
CRIANÇA
A arte é um alento neste momento complicado. “Fico impressionada com pessoas que não se conectam artisticamente com algo. Para evitar ficar só pensando em problemas, seja criativo. Deixe a sua criança interior brincar um pouco. Não entendo como alguém pode passar por tudo isso sem ter a arte como aliada”, observa.Atenção especial deve ser dada aos idosos, destaca a atriz. “Minha mãe já está mais velha, tem 72 anos. Não quer ler, entrou na onda de querer dormir o tempo inteiro. Todos os dias, às 19h, eu, ela, minhas duas irmãs e minha filha nos reunimos para colorir. A gente a estimula dessa forma. Com isso, o humor da minha mãe mudou. Quando o desenho está pronto, ela demonstra até uma satisfação juvenil”, conta Cynthia, aconselhando todo mundo a “fazer arte” durante o isolamento social.
A atriz sempre cultivou plantas em vários espaços de seu apartamento. A coleção se multiplicou durante a quarentena. “Plantei na forma de bolo, no balde, e agora estou partindo para a lata de bijuterias. Minha avó plantava até em tampa de caneta. Ela me ensinou que tudo é possível”, lembra, entre risos. Bordado, tricô e costura também estão na agenda dela.
AULAS Professora de teatro na PUC Minas, Cynthia diz que as aulas on-line representam outro desafio para ela. “A gente já tinha começado o semestre e agora temos de continuar. Você deve se acostumar com o vídeo, buscar conexão com os alunos. Está dando certo”, comemora.
O restante do tempo é ocupado com aulas on-line de espanhol, francês, inglês e italiano, no aplicativo Duolingo, e o curso Por que lutamos?, sobre o feminismo no Brasil. “Você está em casa. Então, se desconstrua, vá ler sobre feminismo e mude essa cabeça”, aconselha.
Cynthia também recomenda a poesia de Manoel de Barros e o livro Poemas místicos, de Jalal Al-Din Husain Rumi, para enfrentar os tempos difíceis. “Você pode não acreditar em nada, mas à medida que vai lendo, percebe que somos mais do que um saco de osso”, garante. E promete: “Vou sair da pandemia como uma borboleta com asas de dragão.”
* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria