Jornal Estado de Minas

Coletivo criador do projeto Gaymada não fará lives na quarentena



“Entendemos que o teatro é fruto do encontro. Então, para a gente seria algo muito estranho fazer live. Todos os nossos trabalhos têm uma interação muito grande com as pessoas. Faz mais sentido esperar por esses encontros pessoais, pelo contato físico e abraço pós-espetáculo”, defende Davidson Maurity, dramaturgo da companhia teatral Toda Deseo. David, Rafael Lucas Bacelar, Ju Abreu, Ronny Stevens, Thales Brener e Akner Gustavson, que compõem o coletivo, fazem reuniões on-line semanais para discutir novas ideias para peças teatrais, fortalecer os laços como grupo, ler textos teatrais e resolver questões burocráticas ligadas à sustentação financeira dos componentes.



“Cada um de nós (coletivo) está vivendo da melhor maneira que pode. Somos um grupo bem heterogêneo. As rotinas são bem variadas, mas tentamos manter a cabeça e o corpo sãos”, explica o dramaturgo. Nesse período, Davidson se apoia, principalmente, na leitura e na escrita de textos variados. “Como artista, a gente sempre busca maneiras de mediar essas interações. Escrever tem sido uma válvula de escape.”

Apaixonado pela obra de Murilo Rubião, Davidson sugere que todos leiam os livros do escritor. “Ele traz essa literatura fantástica e condiz muito com o momento que estamos passando, mas positivamente. Ele tem um jeito muito maravilhoso de escrever”, explica.

O coletivo pretende lançar, ainda este ano, um espetáculo sobre a pandemia e o isolamento social. “A nossa ideia é criar alguma coisa para esse período pós-pandemia, pensando nos editais e no que podemos fazer com o que temos. O teatro vai ser uma ferramenta muito importante para conseguirmos lidar com tudo”, conta David.



A única coisa certa, por enquanto, do novo projeto é que ele não será apresentado em lugares convencionais, como um teatro. Esse é um dos diferenciais do grupo, que faz as apresentações em bares, clubes, praças e ruas da cidade.

Fundado em 2013, o Toda Deseo foi criado com o objetivo de relacionar teatro e performance com questões LGBT. O coletivo ficou conhecido pelo projeto teatral Gaymada, que lançou em 2015 e se mantém no catálogo do grupo. “A Gaymada foi uma coisa superinteressante para a gente. Já estávamos caminhando para o terceiro ano da companhia e sentimos a necessidade de criar um outro trabalho que dialogasse com a temática LGBT”, afirma Davidson.

O artista explica que criar uma apresentação que reunisse representantes da comunidade LGBT durante o dia era um dos maiores requisitos para o novo projeto. “A comunidade LGBT estava muito marcada pela noite. Quando se falava das pessoas LGBT, elas estavam sempre enterradas na noite, como se a vida girasse em torno de festas e boates. Como se nossa presença de dia não existisse”, aponta.



Paradigma 

A ideia de fazer um jogo de queimada no qual os participantes pudessem jogar caracterizados como desejassem surgiu a partir da experiência de um amigo de Davidson na escola. “Alguém falou sobre escola e como essa pessoa gostava de jogar queimada no colégio, mas por isso era chamada de 'viadinho'. Então, decidimos quebrar esse paradigma que fica rondando as pessoas”, conta.

A primeira apresentação superou as expectativas. “Achávamos que ia dar apenas uma centena de amigos, mas recebemos mais de 500. Marcamos na Praça Floriano Peixoto, que é muito familiar para as pessoas de todas as idades, e conseguimos fazer um evento tranquilo. As pessoas abraçaram a ideia”, comemora Davidson.

Depois disso, o evento se tornou um marco em BH e a companhia passou a realizá-lo também em outros lugares do país. “A Gaymada despertou discussões em outros coletivos de BH. E que bom! Isso mostra que a cidade tem uma população LGBT politizada e presente.”

Este ano, a Gaymada foi realizada durante o pré-carnaval, junto com o ensaio do Bloco Truck do Desejo. Davidson conta que, por causa da pandemia e devido à falta de verba, ainda não definiram nova data para a realização de mais uma edição do evento.

*Estagiária sob supervisão da subeditora Tetê Monteiro.