E o jazz? Como manter a sutileza dos silêncios e das euforias por meio de um vídeo no celular? Como produzir algo que não perca graves nem tenha arranjos dilacerados pelas limitações de um sistema de som sem potência? Como o músico pode seguir tentando estabelecer o contato de almas com a pessoa que o ouve sem vê-lo? As mesmas lives que têm impulsionado a produção da música cantada valem para o jazz?
O pianista Chucho Valdés será a primeira atração internacional da série Blue Note live sessions, marcada para esta sexta-feira (22), às 22h, no canal do Blue Note Rio, no YouTube. Um dos mais notáveis pianistas de jazz e de latin jazz de todos os tempos – os cubanos preferem usar o termo cuban jazz –, ele fará sua apresentação direto de Havana. É um ato ainda raro entre os jazzistas, mas Chick Corea tem feito lives quase diariamente em sua página do Facebook, apenas ele e os três pianos de sua sala.
Chucho concorda que há perdas sonoras quase irreparáveis quando o som de um piano chega por meio de um aparelho celular, por mais avançado que ele seja. “As lives são a forma que temos hoje para chegar às pessoas em quarentena em todo o mundo. É muito difícil (manter a qualidade), mas a linguagem pode ser tão emotiva que compensa as falhas. Acredito que o público aprecia esse esforço”, diz ele. Entre as coisas de que mais sente falta neste momento estão justamente aquelas que alimentam o jazz ao vivo: “O contato direto que sempre tivemos, o beijo, o aperto de mãos. Temos perdido a comunicação pessoal, mas nunca perderemos a espiritual.”
Compatriota de Chucho, Omar Sosa, expoente do piano cubano jazzístico, pensa um pouco diferente com relação às lives. “Sem o contato visual, sem sentir a energia dos músicos ao seu lado, sem um público à sua frente, o jazz toma outra dimensão”, afirma. “É como fazer uma produção musical em um estúdio frio. Pode-se perder a magia, a magia de sentir o que os músicos chamam de diálogo, porque não estamos tocando mais juntos. No fundo, penso que (fazer lives) seja um pouco egocêntrico e creio que, ao final, o que as pessoas procuram é uma posição midiática. E há muitas mentiras nisso. Essa é minha opinião pessoal”, diz o artista cubano.
O empresário Luiz Calainho, um dos donos das filiais do Blue Note no Rio e em São Paulo, diz que, apesar da importância de se preservar todo o espírito do jazz, algo precisa ser feito. Ele conta com patrocinador para colocar de pé ideias como as lives nacionais e internacionais da casa. Antes de Chucho, apresentaram-se Toquinho e o cantor Mark Lambert, em tributo aos Beatles. “Essas lives têm sido fundamentais para que possamos seguir adiante”, defende Calainho. (Estadão Conteúdo)
BLUE NOTE LIVE SESSIONS
Com Chucho Valdés. Nesta sexta (22), às 22h, no canal do Blue Note Rio, no YouTube
Entrevista
Chucho Valdés
pianista
‘‘Seremos pessoas melhores’’
Como está a vida nestes dias de confinamento?
É uma vida de rotina muito grande, mas, no meu caso, estou aproveitando o tempo para terminar de compor uma ópera que havia começado antes da pandemia, tocando muito piano, dando aulas de música para a minha família e fazendo exercícios físicos para não perder a forma.
Muitas pessoas dizem que o mundo jamais será o mesmo depois da pandemia. O senhor acredita nisso?
Acredito que não será o mesmo, mas estou seguro de que será muito melhor, de que seremos pessoas melhores.
Parece que não teremos concertos ao vivo por muito tempo...
Isso parece bem triste, mas mantenho a esperança de que vamos nos ver logo para ter de volta esse contato.
Por muitos anos, os brasileiros ficaram conhecidos no mundo pela música que fazem. Isso pode estar mudando?
A essência do Brasil, a música que vocês fazem e sua cultura jamais poderão ser destruídas. Nem a COVID-19 nem a COVID-10 mil poderão acabar com isso.