Frederico Gandra*
Enquanto se preparava para a estreia da temporada de Neblina em São Paulo, o ator e diretor mineiro Leonardo Fernandes foi surpreendido pelo cancelamento da agenda cultural. Ao lado da família, ele está isolado em seu sítio, em São José da Lapa, a 30 quilômetros de Belo Horizonte. “O que me salvou nesta quarentena foi capinar lote e fazer horta”, diz, entusiasmado com o novo “ofício”.
Pouco antes da “estreia” do coronavírus, o ator, de 32 anos, havia acabado de encerrar a temporada em BH. Em janeiro e fevereiro, Neblina ficou em cartaz no CCBB. “Finalizamos uma temporada linda, com público legal e críticas positivas. Estávamos empolgados em partir lá pra fora”, conta.
Dirigido por Yara de Novaes, o espetáculo circularia pelas unidades do CCBB em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. A turnê está adiada. Novas datas devem ser agendadas após a quarentena. Leonardo e Fafá Rennó dividem o palco, discutindo o sentido da vida e a experiência da morte.
Sozinha numa estrada, a personagem de Fafá tenta buscar ajuda, às voltas com problemas mecânicos em seu carro. A ideia original é de Leonardo. Ironicamente, Neblina dialoga com o momento atual. “O cenário é apenas uma bola que fica balançando em cima da gente. Olho para aquilo e vejo a mesma estrutura desse vírus que parou o mundo. Aquele elemento do cenário simbolizava o imprevisível”, constata o ator.
As “coincidências” não param aí. “Eu tinha uma fala que era assim: 'Quando alguma coisa acontece, uma coisa que não estava prevista, uma coisa que você não era capaz de imaginar, então você percebe que…' Termina desse jeito, de repente”, conta Leonardo. Aquelas reticências vêm ecoando na cabeça dele. “Fico me perguntando: o que tenho que perceber neste momento?”
Outros projetos do ator também ficaram para depois. A estreia do filme Pérola, dirigido por Murilo Benício, foi adiada. “Não tem nada certo, mas já tá pronto e vai passar no cinema após a pandemia”, afirma. Trata-se da adaptação da peça de Mauro Rasi em homenagem à mãe. Drica Moraes faz o papel principal, Leonardo vive o próprio Rasi.
SOL
Distante da capital, Léo aproveita os momentos de isolamento ao lado da família. “Ficar num lugar onde você pode tomar sol realmente faz toda a diferença. Pisar na terra tem me feito bem”, conta. “Já plantei nove hortas, construí uma barraca e capinei o lote.” O serviço braçal afasta a ansiedade. “Faço isso até me esgotar fisicamente. À noite, caio no sono. É o que me salva dessa loucura toda.”
Léo também exercita um antigo hobby: dese- nhar. “Faço isso desde criança. Sempre tive convites para usar meus desenhos em algumas coisas, mas não pratico com muita frequência. Agora estou tirando meus trabalhos da cartola artística”, diz. Alguns deles estão publicados no perfil do ator no Instagram (@fernandesleofernades).
Neste período de reclusão, Leonardo recusou convites para participar de lives. “Prefiro assistir a fazer. Sou um cara tímido”, explica. Transmissões dos colegas e de grupos nos quais se inspira o ajudam a aproveitar o tempo livre. “Assisti às lives do Grupo Armazém, de São Paulo, do qual sou completamente fã, e do canal Embrulha pra Viagem.”
Por enquanto, não dá para prever quando o trabalho no palco será retomado. “A gente tem o desejo de retornar para aquilo que ama, mas, sinceramente, não consigo dizer quando”, lamenta o ator. O teatro é, sobretudo, a arte do encontro, reforça. Por isso, Leonardo não acredita na adaptação de peças para o formato on-line. “É uma discussão imensa, mas, particularmente, não acho que o teatro se dê neste lugar do vídeo”, conclui o mineiro, que ganhou o prêmio de melhor ator da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), em 2016, por seu trabalho no monólogo Cachorro enterrado vivo.
*Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria