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Estado de Minas LITERATURA

E-book reúne de A a Z em crônicas de Verissimo

Livro traz 316 textos, reunidos desde a estreia de Luis Fernando Verissimo, em 1969. Em entrevista ao Estado de Minas, autor esbanja bom humor


postado em 14/06/2020 04:00

Para o autor, poder de concisão acompanhou seu amadurecimento, retratado no e-book Verissimo antológico - Meio século de crônicas, ou coisa parecida(foto: RAUL KREBS/DIVULGAÇÃO)
Para o autor, poder de concisão acompanhou seu amadurecimento, retratado no e-book Verissimo antológico - Meio século de crônicas, ou coisa parecida (foto: RAUL KREBS/DIVULGAÇÃO)


“Escrever é a arte de cortar palavras”, sentenciou certa vez Carlos Drummond de Andrade. Levada como um mantra por escritores, profissionais ou diletantes, a máxima drummondiana encontra em Luis Fernando Verissimo sua mais completa tradução. Aos 83 anos, o mais importante (e popular) cronista brasileiro vivo se acha hoje “prolixo no passado”. Nesta altura da vida, Verissimo continua escrevendo muito. Mas esse muito é sempre conciso, certeiro. Só os bons têm tamanho poder de síntese.

Verissimo antológico – Meio século de crônicas, ou coisa parecida, que a editora Objetiva lança agora, é um livrão, mesmo que neste momento somente via e-book – a edição luxuosa em capa dura está nos planos pós-pandemia. São 316 crônicas dos anos 1970 até a atualidade, compiladas e reunidas, década a década, de fontes diversas.

Além da presença ininterrupta na imprensa – sua estreia foi em 19 de abril de 1969, com Entrando em campo, sobre o Internacional, no jornal gaúcho Zero Hora –, o livro apresenta também textos raros, fruto de extensa pesquisa de Marcelo Dunlop. Ele extraiu material de contos perdidos em antologias, edições que só foram publicadas no Rio Grande do Sul, textos publicados nas (extintas) revistas Ícaro e Playboy.

“Como a gente não quis deixar escapar nada, viajei por vários dias a Porto Alegre para escarafunchar os arquivos do LFV, inclusive na biblioteca da casa dele. Achamos raridades que nem ele lembrava, e isso foi a maior recompensa da odisseia – só perdendo talvez para a polenta que comi na casa dos Verissimo”, comenta Dunlop.

Na pesquisa, deparou-se com a concisão característica do escritor. “Quando a família Verissimo recebeu o apanhado de crônicas para avaliar, de cara o povo logo achou que era para cortar umas 200, para ficar aquele livro enxuto de sempre.” O escritor acompanhou todo o processo da edição, mas manteve uma certa distância. Substituiu eventualmente um trecho ou palavra, mas não indicou qualquer crônica. Tal função, conta Dunlop, coube mais a Fernanda, primogênita do cronista.

Um dos principais critérios para a seleção foi retirar tudo que fosse factual, que repercutisse alguma notícia do momento, evitando, assim, notas de rodapé. “Como a fronteira entre crônica e conto é muito fluida, escorregamos mais para o conto”, continua Dunlop. Nesta seara, estão contos bíblicos e policiais.

Os diálogos, sempre impagáveis, fazem gargalhar, décadas depois de sua publicação original. Deus numa mesa de boteco ou uma receita de suflê de chuchu. De situações absolutamente inverossímeis ou comezinhas o autor tem o seu melhor.

“O cronista/contista Verissimo parece ter nascido pronto. Tanto nas temáticas quanto no estilo ele se manteve o mesmo, é impressionante. Alguns de seus melhores textos, repetidos em quase todas as antologias de humor, são dos anos 1970. Já o seu auge parece ser nos anos 1980 e 1990, em que ele consolidou a concisão no estilo, o tipo de humor”, analisa o pesquisador.

NA ‘SELEÇÃO’

Dunlop acrescenta que a imprensa no início da década de 1970 saudou Verissimo como o “novo Stanislaw Ponte Preta” – um vício daquele período, comenta o pesquisador. “Adoro escalar esse tipo de seleção, e o Brasil só teve craque em textos curtos. Meus onze: o escritor e ex-goleiro Sérgio Porto, Luiz Antonio Simas, Nelson Rodrigues e Fernando Sabino; Rubem Braga, Aldir Blanc, Antonio Maria (talvez o predileto do LFV) e Paulo Mendes Campos; no ataque, Millôr, Verissimo e Drummond. Mas creio que mesmo nessa seleção só o Verissimo podia atuar em todas as posições”.

A marca de Verissimo está também nas entrevistas que concede. Por e-mail, de preferência (para ele e o entrevistador, já que conversar, ainda mais com estranhos, não é a sua praia). A assinatura é clara. Respostas curtas, certeiras, inspiradas. Que fazem sorrir, mesmo em tempos nada felizes.
 
 
ENTREVISTA
Luis fernando verissimo

“Acho que já dei cifras definitivas”


O que uma antologia de tamanho vulto sugere ao senhor?
Pois é. “Antologia” lembra “obra completa”, de alguém que já deu o que tinha que dar. Tinha um narrador de futebol em Porto Alegre que, sempre que comentava o último gol de uma partida, dizia que seu autor dera cifras definitivas ao marcador. Com 83 anos, acho que já dei cifras definitivas ao marcador.

Crônica ou romance? Tamanho é documento?
Crônica é mais fácil, romance é mais trabalhoso. Crônica é um veleiro com poucos navegadores, romance é um navio de cruzeiro com 1,5 mil passageiros. Mas, às vezes, um veleiro inventa de cruzar um oceano, e aí o tamanho da embarcação não faz diferença.

Qual seria o título da antologia de sua vida?
Já passou?!

Entre as centenas de crônicas que o senhor já publicou, consegue elencar a sua preferida? 
A gente sempre se surpreende com crônicas antigas. As surpresas vão de ‘Eu escrevi essa bobagem?’ a ‘Essa bobagem até que não está tão ruim...’ Mas é melhor não ter favoritas. Amores secretos nunca dão certo.

O que move o senhor a escrever nos dias de hoje?
Antes de mais nada, para garantir o uísque das crianças.

Ao visitar crônicas de outrora, o que vem à cabeça do senhor? Aliás, o senhor se lê muito?
O que sempre me espanta, vendo uma crônica antiga minha, é o tamanho dos textos. Não sei se os espaços eram maiores, se eu era mais prolixo ou se fiquei mais preguiçoso. Provavelmente, as três coisas. Não, não me leio muito. Para não ser influenciado.

Quando o senhor vai escrever, pensa no leitor e no alcance do texto?
Eu tento agradar a mim mesmo, na medida do possível. Mas sempre procurando ser claro ou, no mínimo, entendido.

A passagem do tempo facilitou a escrita para o senhor?
Ao contrário. Minha experiência é que quanto mais se escreve, mais difícil fica.

Crônica é leitura rápida. Como “pegar” o leitor de primeira?
A primeira obrigação do cronista é proporcionar uma leitura agradável ao leitor. A segunda obrigação é agradar a si mesmo, e a terceira é ser fiel às suas convicções.

Na crônica Autopsicografia, que abre o livro, o senhor fala que não tem ambições políticas, “fora a Presidência da República”. Hoje, aos 83, quais ambições o senhor tem? 
É estar em forma para a posse, caso seja eleito. Do jeito que anda a nossa política, eu chegar à Presidência não parece muito absurdo. O Bolsonaro não chegou?

Dá para rir de alguma coisa diante do momento em que vivemos?
Só riso histérico.


VERISSIMO ANTOLÓGICO
  • De Luis Fernando Verissimo
  • Editora Objetiva
  • 728 páginas
  • R$ 44,90 (e-book)


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