Desde que foi inaugurada, em fevereiro de 2015, A Autêntica recebeu em seu palco mais de mil artistas, num total de 910 eventos. Criada com o objetivo de ser um reduto da música autoral na capital mineira, recebendo artistas independentes locais ou de fora, a casa de shows encerrou suas atividades em meio à pandemia do novo coronavírus, pelo menos no imóvel onde se localizava, na Savassi. O anúncio foi feito nesta semana nas redes sociais como “uma notícia que nós gostaríamos de dar de outra forma, em outras circunstâncias, mas infelizmente não foi possível”, segundo os administradores.
Além de ter ficado os últimos três meses sem realizar eventos por causa da crise sanitária, a administração do estabelecimento não conseguiu se entender com o proprietário do imóvel e teve que entregar o ponto. “Veio a COVID e, como todo mundo, tentamos negociar a nossa permanência, mas não tivemos sucesso. Uma vez que a demolição é iminente, não faria sentido seguirmos pagando aluguel de portas fechadas. Entregando o imóvel, agora conseguiremos estancar a sangria (perdão pela expressão viciada) e poderemos nos preparar com mais tranquilidade para a reinauguração em outro local”, prossegue o texto. Segundo A Autêntica, os proprietários do imóvel têm a intenção de demoli-lo para construir um prédio no local.
Um dos fundadores do empreendimento, Leo Moraes afirma que, antes da pandemia, com o funcionamento normal da casa, “já era um negócio muito apertado, mesmo com capacidade plena”. Com um cenário de reabertura das atividades de lazer ainda incerto em relação à data, mas com provável limitação da capacidade de público presente, a saída foi recomeçar depois.
“É impossível sem negociar esses valores de aluguel, e os proprietários queriam o imóvel. Então, não tinha como continuar com esse curso, para voltar sem plenitude de operações, quando voltar. Agora é começar a se preparar para alguma definição futura de regras, para então ver o que é possível”, afirma.
Ele lamenta a falta de um apoio específico do poder público para as casas de show indica que uma retomada de atividades precisará de facilidades nos aluguéis para esse tipo de negócio, em função de uma configuração econômica mais frágil, dada a necessidade de redução do volume de público para permitir o distanciamento social. “Outra coisa que será necessária são parcerias com empresas. Cervejarias e marcas de bebida, por exemplo, já estão percebendo que precisarão ajudar alguns segmentos”, diz.
RESERVAS
A falta de receitas e de perspectivas assusta outros empreendedores da noite de BH. Localizado no Prado, Região Oeste da capital, o Mister Rock recebia até três eventos por semana, geralmente ligados ao gênero que dá nome à casa. Nesta semana, também completa três meses sem atividades.
“É tempo suficiente para quebrar muita empresa”, diz Lucélio Silva, sócio-proprietário do local. Ele diz que está bancando as despesas com reservas, já que não há fonte de renda nesse tempo. “Até fizemos lives patrocinadas, mas (as receitas) cobrem apenas a realização delas mesmas. Não sobra para a operação, são mais para manter o nome ativo”, afirma. “É complicado não só por causa da casa, mas são muitas pessoas que dependem dela, funcionários, artistas, produtores”, observa o empresário.
Embora tenha conseguido negociar o aluguel do imóvel, localizado na Avenida Tereza Cristina, Lucélio lamenta a atitude das autoridades em relação ao setor. “Não temos um posicionamento de governo. Mesmo com as dificuldades de previsão (do comportamento) da pandemia, é o mínimo que se poderia ter. Estão abrindo vários estabelecimentos, alegando preocupação com empregos, com economia, e se esquecem das casas de show. Muita gente está fechando por falta de informação (sobre o futuro). É um mercado que parece não ter importância para a prefeitura. Também temos contas para pagar”, diz.
Segundo o proprietário do Mister Rock, “o que for colocado para voltarmos a funcionar, em termos de condições sanitárias, vamos seguir, ninguém quer reabrir e fechar de novo, com outro surto. Nós nos preocupamos também, mas falta um diálogo, fica uma incerteza que impossibilita negociar, planejar ou mesmo mudar o ramo do meu negócio por um tempo”. Ele se refere às possibilidades de passar a operar como bar, restaurante ou distribuidora, no galpão onde fica a casa de shows, enquanto eventos de entretenimento não são liberados.
Inaugurada em 2000, a Casa Cultural Matriz, localizada no térreo do Edifício JK, na Região Central, tem sua história ligada à música e outras manifestações de arte independente da capital. A casa quase chegou ao fim por causa da pandemia. “Estamos passando por dificuldades muito grandes. Fomos os primeiros a fechar, tínhamos agenda forte até outubro, inclusive com shows de bandas estrangeiras e de outros estados. Quatro exposições artísticas programadas e uma de fotos já em cartaz e fomos pegos de surpresa. Foram 40 dias em casa pensando no que fazer, até tomar fôlego para resistir”, conta Edmundo Corrêa, fundador e responsável pelo espaço, ao lado da esposa, Andrea Diniz.
Apoiados por frequentadores e também por artistas, eles estão amenizando os prejuízos com a comercialização de produtos naturais confeccionados pelo casal, como chás, sucos e caldos, numa loja temporária chamada Casa Mãe, montada na Casa do Jornalista. Também estão vendendo artigos do bar do estabelecimento, mas essas receitas, segundo Edmundo, cobrem apenas 15% da operação mensal, que inclui aluguel, manutenção e outros gastos. O empresário e produtor cultural destaca que a situação é ainda mais grave pela desvalorização da cultura no país, de um modo geral.
EMPRÉSTIMOS
“Não tivemos apoio nenhum de governo ou dos bancos. Esperávamos a possibilidade de empréstimos, mas isso esbarra na burocracia para qualquer pequena empresa. A cultura já é sucateada no Brasil há um tempo. Há essa dificuldade com imóvel, esse lado violento do mercado imobiliário. Para os proprietários, tanto faz se ali é uma casa de show, um espaço cultural. Se você sair, (o proprietário) aluga para um banco, uma loja, não faz diferença. Vi que 92% dos empregos de BH voltam a trabalhar nessa reabertura, mas casas de show continuam paradas, não têm alternativas, não há perspectiva. Quem vai fazer um financiamento, um empréstimo, sem saber quando vai voltar a ter receita? Ninguém”, argumenta Edmundo.
Ele acredita que o retorno das atividades só será possível com apoio do poder público e algum tipo de isenção fiscal ou tributária. “Sem apoio governamental, vai ser muito difícil, porque todas as casas que resistirem vão reabrir endividadas. Além disso, a volta será aos poucos, não vai ser de uma hora para outra. Serão novos hábitos, público com menos dinheiro e limite de pessoas”, cita, admitindo que chegou a pensar em encerrar as atividades da casa.
Mas agora o casal está disposto a seguir em frente e celebrar os 20 anos de atividades, mesmo em meio às dificuldades. Nos próximos dias, será divulgada uma campanha de financiamento coletivo com o objetivo de viabilizar os custos pelos próximos meses e realizar um festival on-line, em agosto, com artistas locais.
“Será democrático, com todos os nichos, como tudo que fazemos, comemorando 20 anos da Matriz e 40 anos da minha atividade na cena cultural”, diz Edmundo Corrêa. A reabertura das casas de show segue sem previsão nos protocolos municipais de retomada do comércio.