Se no Brasil junho sempre foi o mês das fogueiras, quadrilhas e bandeirolas, as cores do arco-íris vêm ganhando mais força a cada ano nessa altura do calendário, com as campanhas a favor dos direitos e do orgulho LGBT. Tudo começou com um episódio conhecido como Rebelião de Stonewall, ocorrida em 1969.
Em 28 de junho daquele ano, frequentadores do bar Stonewall Inn, em Nova York, resistiram a uma invasão violenta e discriminatória da polícia, desencadeando manifestações a favor da diversidade sexual e contra o preconceito sofrido por esses indivíduos em todo o planeta.
Essa luta vem ganhando novas páginas na literatura, com a temática LGBT ocupando uma vistosa fatia do trabalho de editoras. Em novembro do ano passado, a norte-americana Casey McQuiston lançou Vermelho, branco & sangue azul, seu primeiro romance. Trata-se de uma história de amor fictícia entre o filho da presidente dos EUA e o príncipe da Inglaterra. Chegou a figurar em 15º lugar na lista de mais vendidos do New York Times e foi escolhido pelo site Goodreads como o melhor de 2019 nas categorias romance e livro de estreia. Nas últimas semanas, esse e outros títulos ganharam destaque especial no mercado editorial.
No Brasil, o portal de comercialização de livros Estante Virtual promoveu a campanha Mês do Orgulho: 25 livros, autores e histórias LGBTQIA+ e diz ter notado efeito nas vendas. Segundo a empresa, os livros de ficção sobre essa temática cujas vendas mais se destacaram foram Com amor, Simon (2015), de Becky Albertalli, adaptado para o cinema em 2018, e a fantasia A menina submersa (2015), de Caitlín R. Kiernan.
Entre os de não ficção, os destaques foram Devassos no paraíso, de João Silvério Trevisan (2000), que apresenta um panorama histórico da causa LGBT no Brasil, Foucault e a teoria queer (2017), de Tamsin Spargo, com viés filosófico e teórico, e o livro reportagem Ricardo e Vânia (2019), de Chico Felitti.
A Estante Virtual diz que o objetivo da campanha realizada em junho é “destacar uma série de histórias e personagens que vivem sentimentos de discriminação, isolamento e até depressão relacionados ao preconceito e homofobia”, sob a justificativa de que “os livros podem contribuir para a construção de uma sociedade melhor, seja ao permitir que qualquer pessoa possa ter contato com histórias que fogem da sua própria realidade, como para encorajar quem se reconhece em uma personagem”. O texto foi divulgado pelo site ao anunciar a campanha.
A TAG Experiências Literárias também endossa esses objetivos em sua prática de curadoria oferecida aos assinantes. Além de procurar incluir títulos nas seleções enviadas aos clientes, a empresa usa as redes sociais para divulgar obras atuais e mais antigas sobre o tema.
“Entendemos que não é só enviando livros que construímos essa representatividade, mas também falando e dando visibilidade para autores e outros títulos que promovam esse debate”, afirma Marília Fernandes, líder de relacionamento da TAG. Tudo nela brilha e queima (2017), de Ryane Leão; O quarto de Giovanni (1956), de James Baldwin; e Viagem solitária (2011), autobiografia de João W. Nery (1950 - 2018), psicólogo e escritor, conhecido como primeiro homem trans a realizar a cirurgia de redesignação sexual no Brasil, em 1977, são algumas das obras citadas em uma ação no Instagram.
DESCONTO
A Editora Unesp foi outra a se mobilizar, por meio da campanha Combate à Homofobia 30%, conferindo esse desconto na compra de publicações relacionadas ao assunto. Destaque para a reedição de Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX, originalmente lançado em 1999, e republicado no ano passado pela Unesp. O livro do historiador norte-americano James Green, especializado em estudos latino-americanos e ativista dos direitos LGBT, chegou a se esgotar por duas vezes no estoque da editora neste mês de junho.
“Uma editora universitária tem obrigação de intervir na conjuntura nacional, propiciando instrumentos de aperfeiçoamento do debate. Fazemos isso nessa questão (LGBT), que é absolutamente central no panorama político brasileiro, e também em outras, seja no próprio catálogo editorial, contemplando a temática, como em iniciativas livreiras, como essa”, afirma o diretor-presidente da Fundação Editora da Unesp, Jézio Hernani Bomfim Gutierre.
Ele reconhece que, muitas vezes, o livro “é um produto caro para o consumidor final”, por isso esse tipo de ação é necessária para “difundir e ser o mais universal possível em relação a esse conhecimento”. Gutierre afirma também que pode “estar sendo ingênuo, mas o objetivo é também contribuir para que o preconceito decorrente da ignorância e da falta das informações presentes nesses livros seja mitigado com essa bibliografia”.
TRILOGIA
O escritor mineiro Aliel Paione vem aproveitando o mês de junho para divulgar o lançamento de Sol & sombras, segundo título da trilogia iniciada em 2018, com Sol & sonhos em Copacabana (editora Pandorga). Embora o protagonista seja um homem heterossexual com história de amor dividida entre mãe e filha, o autor deposita em outro personagem angústias e anseios por uma sociedade menos preconceituosa.
“O principal é João Antunes, que, no Brasil dos anos 1920, sai do Rio Grande do Sul e vai para Goiás em busca de ouro. Lá conhece Marcus, que é homossexual e com quem constrói uma relação muito importante, que lhe permite ter um novo balizamento e entendimento das coisas”, comenta o autor. Segundo ele, a inspiração para esses personagem veio de sua própria experiência.
“Quando eu era criança, no interior de Minas, me intrigava a situação de exclusão e isolamento que homossexuais viviam nas pequenas cidades, sempre alvos de piadas, deboches, comentários preconceituosos e até de violência. Isso me chocava. Esse personagem mostra um pouco desse sofrimento e dessa solidão. Procurei humanizar isso, o Marcus é um homem de posses, culto, com várias qualidades, mas, em Cavalcante, vivia isolado”, diz o escritor, nascido em Varginha.
Paione lamenta que o preconceito ainda seja latente nos dias de hoje. “Infelizmente, no Brasil, ainda estamos muito atrasados nesse aspecto. E a literatura é fundamental, porque ela dá uma visão maior para as pessoas.”
Diversidade no audiovisual
Além do mercado literário, o orgulho LGBT é destaque também no universo do audiovisual. A HBO selecionou filmes, séries e documentários, disponíveis no serviço sob demanda HBO GO, que mostram histórias de inclusão e diversidade. São 11 produções originais da emissora, com destaque para a série nacional Todxs nós, protagonizada por Rafa (Clara Gallo), jovem pansexual e não binárie, que decide deixar a família no interior e mudar-se para a capital paulista.
A National Geographic aproveitará o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA (28 de junho) para realizar sua Marcha virtual. Trata-se de um grande desfile com vídeos enviados pelo público via Twitter. Além disso, a programação da emissora terá uma maratona com séries e documentários de temática LGBT, como Explorer investigation: Intolerância LGBTI , O que nos define?, Transgêneros e um episódio de Explorer 2.0 sobre a comunidade gay na Índia.
O mês também terá a estreia, nas plataformas digitais, do documentário Indianara, sobre a ativista transsexual brasileira Indianara Siqueira, dirigido pela francesa Aude Chevalier-Beaumel e pelo brasileiro Marcelo Barbosa. O filme esteve na seleção oficial de Cannes no ano passado e chega aos serviços de streaming iTunes, Google Play, NOW, Looke, Vivo Play e Amazon na próxima quinta-feira (25).