O processo de reinvenção pelo qual tantos vêm passando durante a pandemia do novo coronavírus atingiu em cheio o chef Leo Paixão, de 39 anos. Durante dois meses, ele manteve suas três casas em Belo Horizonte – o restaurante Glouton, o bar Nicolau e o Nico Sanduíches – fechadas, sem nenhum serviço de delivery.
Ao mesmo tempo, passou a realizar lives frequentes, via Instagram, ensinando pratos caseiros que viraram mania entre cozinheiros da quarentena, neófitos ou não. Com a visibilidade que a participação no reality Mestres do sabor (Globo) – cuja segunda temporada termina em 23 de julho – lhe conferiu, ele agregou 500 mil novos seguidores nesse período. Aos poucos, o mais comentado chef mineiro da atualidade vem saindo da casinha.
Ele reabriu o Glouton em meados deste junho para o projeto semanal Cozinhando com Paixão. Todo sábado, a partir das 20h, promove uma live para 400 pessoas. É uma experiência culinária. No domingo anterior à transmissão, também via Instagram, começam a ser vendidos os 200 kits (R$ 350 por casal) com um jantar completo: petiscos, entrada, prato principal e sobremesa.
Os interessados buscam o kit no próprio sábado, durante o dia, no restaurante em Lourdes. Os pratos estão embalados, prontos para ser finalizados, o que é feito durante a live, na qual o chef e os comensais cozinham juntos, cada qual de sua casa. As duas experiências já realizadas duraram 2h30min, com gente pedindo mais. No próximo sábado (27), pela primeira vez, a transmissão será feita pelo YouTube (somente quem tiver adquirido o jantar terá acesso ao link).
A vida de Leo Paixão fora da TV e da internet também começa a tomar novos contornos. Nesta semana, foram reiniciadas as obras do Ninita, seu empreendimento gastronômico, numa casa contígua ao Glouton. Em julho, ele pretende reabrir o Nico, mas também com mudanças. E planeja para os próximos meses o lançamento de uma loja virtual, um novo site e um novo canal no YouTube.
As readequações impostas pela pandemia trouxeram um novo senso de gastronomia para Paixão, conforme ele revela nesta entrevista ao Estado de Minas: “A gastronomia pós-pandemia será uma cozinha familiar, mais acessível. Não vou mais fazer alta gastronomia, porque não tenho mais tesão."
"Hoje, quando vou ao supermercado de boné e máscara, tem gente que me reconhece. Também quando estou dirigindo, na rua. É muito doido e diferente"
Leo Paixão, chef
Por que você esperou quase três meses para começar a reabrir suas casas?
Não se sabia o que era a doença. Sou médico, então aguardei para entender como era a transmissão, como seria a disseminação, quais as medidas reais de proteção. No início (do período de isolamento social), ninguém usava máscara, por exemplo. Hoje já há estudos a respeito da doença, sabemos como trabalhar com segurança. Passaram-se três meses, então há uma compreensão maior da doença.
Mas por que não abrir para delivery, como tantos outros fizeram nos últimos meses?
Não tenho coragem de fazer uma quentinha e entregar na casa das pessoas. O Glouton envolve uma experiência. Meu delivery é diferente, fiz o primeiro no Dia dos Namorados. Servir 400 pessoas por semana não é pouco, é bastante... Agora, entrego a comida pré-pronta e faço junto com as pessoas numa live. Acaba virando também um entretenimento para que o público cozinhe junto comigo.
Mas o Nico, que é só de sanduíche, é ideal para entrega.
Não tenho uma data ainda, mas o Nico reabre em julho. Vamos oferecer menos opções de sanduíches, tanto para delivery quanto para retirada no balcão. Será um tipo de comida mais acessível, mas não menos gastronômica. Ele é pequenininho, mas porque tem o Nicolau na retaguarda. Até o catchup que servimos eu é que faço. Já o Nicolau é parte da história do Glouton. Vai ter um jantar (do Cozinhando com Paixão) que será lá, com petiscos e coquetéis para montar e fazer junto comigo.
Você teve que dispensar funcionários por causa da pandemia?
Tenho 70 e poucos funcionários (nas três casas). Quando começou a pandemia, dispensei os que estavam em experiência e mais um ou outro. No total, foram 5%, um ajuste. Não pretendo demitir mais nenhum. Hoje são 25 pessoas trabalhando, muitas estão em férias. Tem gente em home office, pois não deixo a cozinha muito cheia. Ativamente, tem de 15 a 18 na cozinha, mas em dias intercalados e com redução de carga horária.
Você começou 2020 com a intenção de lançar mais duas casas: um novo restaurante, ao lado do Glouton, e o bar de vinhos no Automóvel Clube. Com a pandemia, em que pé estão esses planos?
A obra do restaurante está sendo retomada nesta semana. Inicialmente, ele não será aberto, será uma parte do Glouton. Para manter um pouco mais de clientes (quando os restaurantes puderem funcionar, com novo protocolo), vou espalhar um pouco de mesas do Glouton nele. Mantive o nome que já tinha pensado, Ninita (em homenagem a uma de suas bisavós), mas ele vai ser um restaurante virtual, só de delivery, que vai funcionar em uma das cozinhas. Será uma cozinha mineira afetiva, parecida com o que venho fazendo no Instagram. Ele já será criado pensando no transporte, para um time de entregadores que vai trabalhar somente nele. Abro entre julho e agosto.
Inicialmente, o Ninita seria dedicado à alta gastronomia.
Não tenho mais dinheiro para isso, o povo não tem dinheiro. A gastronomia pós-pandemia será uma cozinha familiar, mais acessível. Meu foco agora é outro. Quero é fazer TV e também a comida em que acredito. Lá (Ninita) já seria de comida mineira, mas não acho que o mundo comporta mais o luxo. Principalmente o Brasil, com tanta pobreza. Quando eu puder levar mais mesas para o Glouton, aí faço um fogão de lenha no Ninita, dou uma reformada e reabro como um restaurante mineiro.
E o bar no Automóvel Clube?
Está pronto. A obra já tinha acabado antes da pandemia, faltava marcenaria, papel de parede. Depois que a reabertura teve início, finalizamos tudo. Marcamos a abertura para 12 de dezembro, por causa do aniversário de Belo Horizonte. Ali só abre mesmo quando flexibilizar bastante, pois as mesas são próximas, é impossível funcionar com as mesas afastadas. É um espaço para música para 50 pessoas que vai funcionar com venda de ingresso. O nome é ainda segredo, mas tem a ver com o conceito, que é um bar secreto criado atrás de uma parede falsa. Você não vê a porta, que é meio invisível. Era um salão de música e estava sendo utilizado para fotografia de noiva. Recuperamos os móveis antigos do Automóvel Clube, o projeto (do arquiteto Cristiano Sá Motta) ficou lindíssimo. Agora, é absolutamente não lucrativo. É impossível ganhar dinheiro com ele.
Que mudanças houve na sua vida ao passar a figurar no horário nobre da Globo?
As pessoas me conheceram mais, claro. Mas é incrível, pois este negócio do Instagram trouxe mais gente ainda. É óbvio que o fato de estar na Globo faz com que tudo fique viralizado. Hoje, quando vou ao supermercado de boné e máscara, tem gente que me reconhece. Também quando estou dirigindo, na rua. É muito doido e diferente, mas o povo tem muito carinho, fala de como mudei a vida. Isto me dá uma emoção muito grande e é algo que realmente não pretendo parar.
Até a pandemia, você nunca tinha feito lives. Como se preparou?
Como fiquei parado um mês e meio, resolvi fazer alguma coisa. Então fui tentar dividir com as pessoas o amor que tenho pela cozinha simples, mas feita de forma especial. Aquilo ali é real, é a minha vida. Não é nada ensaiado, mas é claro que penso nas receitas. É uma forma de carinho da vovó, em que, com tempo e dedicação, você repete, repete, repete, até se aprimorar.
Das receitas no Instagram, qual fez mais sucesso?
O pão de queijo. Viralizou de uma forma absurda. O grande segredo é conversar com as pessoas dentro de uma cozinha caseira, feita de forma correta. Faço uma receita de frango, cebola, alho e óleo, por exemplo. Passo horas e horas cozinhando o frango, que é delicioso e não precisa de ingredientes caríssimos. Isso é o que me aproxima mais de todos, pessoas de todas as classes.