Professor e pesquisador de cinema, Ataídes Braga é, pela própria natureza da sua atividade profissional, um espectador fora do padrão. Durante muito tempo, ele frequentou, de segunda a sábado, sem falhar, os cinemas de Belo Horizonte – principalmente o circuito de arte. Nos últimos anos, por causa da pequena oferta de filmes, uma decorrência da diminuição das salas dedicadas ao cinema autoral, reduziu a frequência, mas ia ao menos duas vezes por semana.
Depois de quatro meses fechado em casa, em decorrência da pandemia do novo coronavírus, Braga admite que está no meio de um inferno astral. “Para mim é um problemão, porque eu gosto da sala, sempre preguei assistir cinema no cinema. Eu, que sempre odiei, tenho assistido a séries. Já tinha visto as mais clássicas, as brasileiras, mas agora vejo todo tipo de bobagem. É um sofrimento. Na minha vida de espectador comum, nunca saí de um filme ou espetáculo ruim.”
Neste momento de espectador do streaming, Braga nem pensa duas vezes. Interrompe uma série depois de um episódio e passa para a próxima. Quando as salas de cinema e de espetáculos reabrirem, ele estará lá. “Acho que nem tanto do cinema, mas de teatro, exposição. Tenho sentido muita falta, pois gosto de visitar os lugares.”
MUDANÇA
O primeiro a fechar, e muito possivelmente o última a reabrir quando passada a pandemia, como já se tornou corrente dizer nestes tempos de isolamento social, o setor cultural tem obrigado a todos a mudar sua maneira de consumir filmes, espetáculos teatrais, de dança e shows de música. E quando a vida começar a voltar ao normal, os superespectadores, aqueles que não perdem os lançamentos dos grupos e instituições que acompanham, pretendem estar na plateia?
Sem sombra de dúvidas, garante Lúcia Helena Monteiro Machado. Assinante de todos os programas da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais há nove anos, ela também contribui para o programa Amigos da Filarmônica. “No primeiro concerto que eu puder ir, estarei lá, ainda mais porque não falto a nenhum”, diz ela, que assistiu a todas as apresentações que a orquestra fez neste ano, antes da pandemia.
“Acho que a Filarmônica é a melhor coisa que aconteceu na cultura de Belo Horizonte nos últimos 50 anos. Viajo muito, conheço as filarmônicas de Berlim, de Nova York, e a nossa não fica nada a dever a elas. Não só a sala é muito boa, como o público também. E ainda acho que as pessoas que frequentam têm a obrigação de contribuir com a orquestra para manter os músicos.”
Sem poder assistir aos concertos ao vivo, Lúcia Helena tem se virado como pode. “Não gosto de assistir na internet, nem sei como mexer com isto, tenho 81 anos. Ouço muita música, pois tenho uma coleção de CDs enorme, e muito DVD de música clássica. Mas ao vivo e a cores é outra emoção.”
É o que também opina o professor universitário Marcelo Galuppo, apoiador dos grupos Galpão e Corpo, da Filarmônica e de Inhotim. Ele continua consumindo cultura em casa, via dispositivos eletrônicos. “Não é a mesma coisa. Sobretudo no caso do teatro, onde você, como espectador, tem uma posição fixa. Nos vídeos, são utilizadas muitas câmeras, o que, para mim, compromete a linguagem do espetáculo.”
Além disso, Galuppo observa, o espetáculo teatral depende da interação com o público. “Isto acontece na música também. A experiência da sala de concerto é muito diferente. Acho que nas artes performativas algo da linguagem se perde quando são transpostas para o meio eletrônico.” Entre os espetáculos que reviu neste período está Romeu e Julieta, mais conhecida montagem do Galpão, em uma gravação antiga de um DVD do grupo.
Ele está com muita vontade de voltar a fazer parte da plateia dos grupos e instituições mineiros, mas ainda não tem certeza se estará na primeira leva de espectadores. “Tenho que avaliar depois que for aberto, mas não sei como vai funcionar, como será mantido o distanciamento. Eu gostaria, mas não sei se me vejo na plateia no início.”
O funcionário público Gustavo de Castro Magalhães é, há três anos, integrante do programa Amigos do Corpo. Assiste aos espetáculos da companhia de BH desde 1989, quando viu o Corpo pela primeira vez com Missa do orfanato. É tão fã que, a cada nova temporada, costuma assistir a todas as sessões da companhia na capital mineira – quando possível, também viaja ao Rio e a São Paulo para ver o Corpo.
“Claro que estou morrendo de vontade (de voltar ao teatro), mas só irei quando houver todas as garantias de produção. Enfim, não só quando a gente (plateia e artistas) estiver em segurança, mas que o sistema de saúde esteja apto para atender a população”, comenta Magalhães.
AULAS
Neste período, ele diz, vem consumindo os produtos digitais viabilizados nas redes sociais. Assistiu às aulas que os bailarinos do Corpo deram para os profissionais da saúde pelo YouTube, por exemplo. “Fiquei surpreso, pensei que seria mais leve. Tanto que consegui suar e dar uma boa mexida no corpo.” Tem assistido também aos espetáculos que a companhia está disponibilizando em seu canal na plataforma de vídeos durante a quarentena.
“Tenho os DVDs de todos, mas eles disponibilizaram as mais recentes, com remontagens (outro elenco) e equipamentos mais modernos. Foi legal ver, a gente relembra, é como se despertasse a memória. Mas não tem como comparar com o ao vivo. Em casa você está confinado nas quatro paredes, com a TV pertinho, então perde a magia do espetáculo. E isto não é só com o Corpo, mas em relação a obras de arte filmadas. A arte pede o contato pessoal, a interação.”
Assinante da Filarmônica, o advogado Francisco Augusto Martins Modenesi só assistiu, neste ano, ao concerto de abertura da temporada 2020, em fevereiro. “É óbvio que quem é assinante sente falta e está na expectativa do retorno. Vou retornar com os devidos cuidados, assim que as autoridades liberarem e as determinações forem atendidas, não sei como serão as delimitações da plateia.”
Ainda que tenha assistido de casa a um ou outro concerto, Modenesi chama a atenção para a diferença entre o perto e o longe. “A Sala Minas Gerais, com a acústica maravilhosa, muito bem projetada, faz com que todos os músicos estejam próximos dos espectadores. Isto faz toda a diferença”, comenta.