“Um pesadelo absoluto. É apenas loucura”. Assim o cantor e compositor Caetano Veloso classificou o governo Jair Bolsonaro em entrevista publicada ontem pelo jornal inglês The Guardian.
“Ter um governo militar é horrível e Bolsonaro é tão confuso, tão incompetente. O governo dele não fez nada. O que o Executivo brasileiro fez no período desde que ele foi presidente? Nada... Não houve governo, apenas uma raquete de insanidades”, afirmou o baiano, que há 50 anos morou em Londres, exilado pela ditadura militar brasileira, como destacou o The Guardian.
“Nos últimos meses, apoiadores radicais de Bolsonaro saíram às ruas com faixas pedindo o fechamento do Congresso e a reintrodução do decreto da era da ditadura que abriu o caminho para o exílio de Veloso”, informou o jornal.
BANDEIRAS
Caetano relembrou que ele e Gilberto Gil, durante o exílio londrino, enfeitavam a sacada da casa que dividiam com bandeiras do Brasil, constrangendo amigos que os visitavam, “pois era como se estivéssemos apoiando a ditadura”.
“Não, a ditadura não é o Brasil!”, enfatizou o músico ao The Guardian. “Mas é claro que sabíamos que a ditadura era um sintoma do Brasil, uma expressão do Brasil – e era isso que o Brasil estava sendo naquele momento, assim como é”, observou, citando “um monte de coisas hoje que não são fáceis de engolir”.
Ao se referir à eleição do presidente da República, o músico comentou: “Você não pode dizer que Bolsonaro não é o Brasil. Ele é muito parecido com muitos brasileiros que conheço. Ele é muito parecido com o brasileiro médio – na verdade, a capacidade dele e de seu bando de permanecer no poder depende de enfatizar essa identificação com o brasileiro normal”.
Caetano criticou as ações do governo federal. “O que vimos tem sido mais sobre destruição. Tudo o que foi feito na Amazônia foi incentivar o desmatamento; tudo o que foi feito na esfera cultural tem a ver com o desmantelamento... museus, grupos de teatro, produtores de música e cinema.”
A postura de Bolsonaro diante da pandemia do novo coronavírus também recebeu críticas do músico. “O presidente mantém sua posição, mesmo tendo sido infectado. Ele nem se comportou como Boris Johnson, que mudou de tática depois de ser infectado”, declarou, referindo-se ao primeiro-ministro do Reino Unido.
O compositor revelou o temor de uma escalada de violência devido à tensão política, mas manifestou confiança no país. “Se estivesse sentado na frente de um estrangeiro interessado no Brasil, eu diria a ele: o Brasil está aqui, bem aqui. Nossas florestas, nossas músicas, nossas peças e nossos filmes estão sendo ameaçados por esse governo e estão em processo de destruição. Mas, como um dos membros do grupo que produz música popular, posso garantir que estamos aqui. O Brasil está aqui”, afirmou.
FILME
A ditadura militar e o exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil são temas do documentário Narciso em férias, selecionado para o Festival de Veneza, marcado para 2 a 12 de setembro, na Itália. Dirigido por Ricardo Calil e Renato Terra, o longa revela detalhes dos 54 dias que a dupla passou na prisão, em 1968, logo depois da implantação do Ato Institucional nº 5 (AI-5).
“A beleza do filme está na maneira como Caetano, hoje com 77 anos, é capaz de nos levar de volta àquela cela para nos fazer compartilhar a impotência do rapaz preso. A simplicidade da encenação – um homem sentado de pernas cruzadas diante de uma parede de concreto, nada mais – dá voz ao essencial, uma escolha ao mesmo tempo estética e moral”, afirmou o cineasta João Moreira Salles, coprodutor de Narciso em férias.
“Estamos honrados de iniciar a trajetória do filme pelo Festival de Veneza, que é ao mesmo tempo o primeiro festival de cinema do mundo e o primeiro presencial, no mundo pós-pandemia. É um evento histórico que pode apontar como será o cinema nessa nova realidade”, comentou o diretor Ricardo Calil.