O avanço da pandemia da COVID-19 não fechou apenas as salas de cinema em várias partes do mundo, numa medida para deter a disseminação do vírus. Para evitar riscos de contaminação, também foram paralisadas filmagens, que envolvem um grande número de profissionais e, em geral, requerem proximidade.
Passados quase cinco meses dessa configuração de restrições, o produtor Rodrigo Teixeira, da RT Features, um dos nomes mais atuantes no Brasil e responsável por várias coproduções com outros países, diz que o cenário na indústria cinematográfica ainda é de “preocupação total”.
“Enquanto não houver um tratamento compatível, uma vacina, sempre haverá risco. Na Europa, em alguns países, as produções têm seguros em andamento para retomar, mas, no Brasil e nos EUA, estamos no meio de uma pandemia que não tem diminuição da quantidade de mortos. No Brasil, é um número assustador. Como produtor, a gente zela por equipe, por pessoas, e não haveria como entrar num set com facilidade. Algumas produtoras retomarão algumas coisas por agora, mas ainda é prematuro”, diz ele.
A RT Features assina longas nacionais como O cheiro do ralo (2006), Heleno: O príncipe maldito (2011), Alemão (2014), Tim Maia (2014) e A vida invisível, de Karim Aïnouz, premiado em Cannes e eleito pelo Brasil como seu representante no Oscar deste ano.
No exterior, a produtora participou de Frances Ha (2012), A bruxa (2016), Me chame pelo seu nome, Ad astra e O farol. O último lançamento da RT Features foi WASP network: Rede de espiões, dirigido pelo francês Olivier Assayas, sobre um episódio real de espiões de Cuba em território norte-americano nos anos 1990, com Penélope Cruz, Édgar Ramírez, Gael García Bernal, Ana de Armas e Wagner Moura. O filme chegou ao catálogo da Netflix em junho passado, depois de circular por festivais.
ADIAMENTOS O cenário imposto pela pandemia não afetou muito a RT Features no primeiro semestre, pois a empresa não tinha gravações previstas para o período. Mas a chegada de agosto com a epidemia fora de controle no Brasil e nos EUA começa a resultar em adiamentos.
“A princípio, para este ano, provavelmente nada será produzido. Tivemos um ano muito ativo em 2019, e 2020 seria de desenvolvimento de novas produções. Desenvolvemos muito. Amadurecemos projetos e vivemos processos de reclusão. No primeiro momento, ficamos meio perdidos, sem entender como lidar com isso, até porque foi um processo mundial. Foram muitas as preocupações, mas, com o tempo, deu para criar uma rotina criativa, de estudos, de análise, de recompreensão de mercado e desenvolvimento. Eu mesmo tenho uma videoteca grande, revi muitos filmes, vi outros que não tinha visto, li muito. A reclusão tem sido uma análise de vida interessante, apesar da tragédia e de um governo acéfalo que não nos ajuda”, afirma o produtor.
A preocupação do produtor com a situação do audiovisual no Brasil vai além das dificuldades específicas da pandemia. “Temos uma paralisia. Falando por mim, continuo desenvolvendo. Mas a censura não é temática, é financeira. O que o governo faz é uma resposta. As coisas não andam. Todo dia aparece uma novidade, todo dia é preciso repensar algo que seria feito, buscar um novo caminho. Então, estamos nessa censura financeira que afeta todo mundo. Não nos movimentamos muito e a pandemia não ajuda a sair desse lugar. Mas não sei se não estivéssemos vivendo isso se estaria diferente no que tange à liberação de recursos públicos. Não ter uma política que nos ajude é complicado”, argumenta.
PARCERIA Na edição da Cine BH – Mostra de Cinema de Belo Horizonte do ano passado, na qual A vida invisível foi exibido, Rodrigo Teixeira esteve em Belo Horizonte e anunciou parceria com a produtora de Contagem Filmes de Plástico (Temporada, de André Novais Oliveira, No coração do mundo, de Gabriel Martins e Maurílio Martins) para a coprodução de um longa-metragem.
Inicialmente chamado Vicentina pede desculpas, o título teria filmagens na capital mineira e região. O projeto começou a ser desenvolvido em 2015, em um núcleo criativo da Filmes de Plástico. Segundo Rodrigo Teixeira, a produção está momentaneamente suspensa, pois depende ainda de captar incentivos públicos. “Não vai deixar de acontecer, mas estamos desenvolvendo também, com o Gabriel Martins, outro longa que independe de incentivos públicos, dentro de um orçamento mais enxuto que a RT vai financiar. É um filme sobre o qual não posso revelar detalhes, mas que espero filmar no ano que vem. Vai depender de haver condições de filmagem”, afirma o produtor, que já trabalhou com Gabriel Martins em Alemão, produzido pela RT Features, com roteiro escrito pelo cineasta mineiro.
O brasileiro está envolvido também com um novo filme de James Gray, diretor de Ad astra, chamado Armageddon time, que terá Cate Blanchett, Robert De Niro e Anne Hathaway no elenco e seria filmado neste segundo semestre. “A produção se reestruturou para entrar em filmagem no ano que vem”, conta. Outro projeto em condições parecidas é O sol na cabeça, de Karim Aïnouz.
No compasso de espera por condições seguras de trabalho, ele também imagina algumas mudanças nas rotinas produtivas. “Não sou técnico, sou produtor, mas muitas coisas estão sendo discutidas, como um set mais higiênico e com menos gente. Ou seja, a necessidade de pessoas dentro do set deve mudar. Vai se pensar melhor na equipe e no que é realmente necessário. Filmagens sempre tiveram muita gente, muita assistência. Mas esse é um primeiro momento, falta muito até as coisas se normalizarem. Mas os hábitos de higiene, do uso de máscara, a forma como nos aproximamos das pessoas, isso é uma mudança que veio para ficar.”