Frederico Gandra*
Enquanto o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declara guerra ao aplicativo chinês Tik Tok, cerca de 7 milhões de brasileiros se divertem com essa “plataforma de lançamento” de astros e estrelas do universo digital. O confinamento imposto pelo novo coronavírus só fez ampliar a plateia ávida por vídeos curtos e divertidos, uma espécie de “vacina” contra o estresse destes tempos de pandemia.
Mario Júnior, de 20 anos, tem surfado com sucesso na onda que vem projetando influenciadores digitais. O paulista viralizou no Tik Tok com a ajuda da ferramenta POV – Point of View (ponto de vista, em inglês). Por meio dela, o interlocutor assume o papel de um personagem que dialoga diretamente com o público. Seria a quebra da “quarta parede”, recurso dramatúrgico empregado, por exemplo, na série House of cards, quando o protagonista Frank Underwood (Kevin Spacey) conversa com o espectador.
GALÃ
“O Tik Tok sempre teve o formato POV. Procurei adaptá-lo para a forma que gosto de fazer, falando para a câmera”, conta Mario Jr. No caso dele, as garotas são o alvo. O galã Mario encara a tela, fingindo conversar com a menina, com direito a caras e bocas que dão a sensação de proximidade.
O influenciador digital, que atualmente mora em Lisboa, já “levou” garotas para bailes da primavera, para tomar milkshake e até se passou por bombeiro para salvar o gatinho de uma delas.
Mario conta que aderiu ao Tik Tok meio de brincadeira no início do isolamento social, entre março e abril. O conteúdo gerado por ele só “bombou” em junho, atraindo cerca de 300 mil seguidores. Atualmente, eles já são 3,1 milhões. O propósito não é apenas conquistar garotas, ele garante. “Meu objetivo sempre foi ser eu mesmo, pois falo o que as meninas gostam de ouvir.”
Mario escreve os roteiros e grava tudo sozinho. Atribui seu sucesso à solidão imposta pela quarentena, conta que recebe mensagens de agradecimento de mulheres com depressão e baixa autoestima. “Acho legal isso. Fico feliz de poder ajudar com algumas palavras”, comenta.
Porém, ser charmoso não o livrou de receber ataques nas redes sociais, além de ameaças à família. “Isso foi no ínicio. As pessoas não estavam acostumadas com esse tipo de conteúdo. Então, ele causou estranheza, uma revolta. Com o tempo, a galera passou a entender o meu propósito”, afirma o influenciador paulista. Ele jura que, atualmente, está livre dos haters.
O sucesso de Mario Jr. inspirou diversas paródias no Tik Tok, o que repercutiu em outras redes sociais. Internautas editam vídeos dialogando com ele – na maioria das vezes, ridicularizando o galã sedutor. “Sou eu quem mais se diverte com tudo isso. Sou um cara muito brincalhão, o cara que dá mais risada com esses duetos”, afirma Mario.
CONVITES
Ao se destacar no Tik Tok, o paulista logo recebeu convites para gravar com influenciadores digitais famosos, como Rafa Kalimann, Manu Gavassi, Lucas Rangel e Júlio Cocielo. O coletivo de humor Porta dos Fundos também entrou na brincadeira, com o vídeo Roi, Yollanda?, lançado em 17 de julho.
“É maneiro saber que pessoas tão importantes reconhecem meu trabalho. Fiquei feliz por ter esse reconhecimento”, comemora Mario.
Diariamente, esse paulista conquista cerca de 25 mil a 30 mil novos seguidores no Tik Tok. “Nem nos meus melhores sonhos poderia imaginar um sucesso tão repentino. Começou como brincadeira e virou algo enorme. Foi uma surpresa muito grande não só para mim, mas para minha família e os amigos”, conta.
Toda essa repercussão rendeu a ele três indicações ao prêmio MTV Millennial Awards 2020, nas categorias Meme de quarentena, Tik toker absurdo e Hino do ano. O resultado será divulgado em 24 de setembro. Os vencedores serão escolhidos pelo voto popular.
Em Portugal, Mario Jr. faz aulas de artes cênicas com a atriz brasileira Karla Muga. O galã do Tik Tok já recebeu propostas para fazer dois filmes no Brasil. Ele planeja criar um canal no YouTube, mas ainda não definiu o conteúdo. “Tudo está sendo uma aventura. O que tiver pra fazer, a gente faz”, comenta, aos risos. Ele confirma que tem recebido propostas de marcas para patrociná-lo. “Não fechamos nada ainda. Essas questões deixo na mão da minha empresária.”
SÍNDROME
Outra influenciadora que está “bombando” é a mineira Lorrane Silva, a Pequena Lô, de 24 anos. Portadora de uma síndrome rara, a displasia óssea, a jovem produz vídeos de humor para as redes sociais desde 2015, mas foi no Tik Tok que encontrou sua “praia”.
Lorrane agradece à arquitetura algorítmica da plataforma chinesa. “O Tik Tok deu oportunidade para pessoas anônimas serem descobertas. É uma loucura, o engajamento é muito grande e a circulação dos vídeos é muito rápida”, comenta.
Nascida em Araxá e formada em psicologia, Lorrane mora em Uberaba, no Triângulo Mineiro. Em janeiro, ingressou na plataforma chinesa. Queria conferir a novidade. Logo passou a publicar vídeos. “Comecei a reproduzir alguns memes, mas do meu jeito, e foi todo esse sucesso. Hoje, tenho mais de 1 milhão de seguidores”, informa. Conteúdos de maior repercussão são repostados no Instagram de Lorrane (@_pequenalo), que soma 646 mil seguidores.
Em vídeos curtos, ela faz humor com temas do cotidiano. Tatá Werneck, Paulo Gustavo, Samantha Schmütz e Marcus Majella são humoristas que a inspiraram. “O ponto principal é a identificação que vou levar para a pessoa – algo da infância, da adolescência, coisas de mãe. Gosto disso”, revela.
Lorrane conta, orgulhosa, que recebeu feedbacks positivos de Whindersson Nunes e Hugo Gloss, entre outros influenciadores digitais.
TREINO
Para manter o engajamento dos fãs, ela cumpre uma rotina exaustiva. Pequena Lô grava três vídeos por dia. Sozinha, elabora e publica o conteúdo. “As pessoas acham que é só gravar vídeo, mas não é assim. Você tem de pesquisar, fazer o roteiro, entrar no personagem e atuar. Dependendo da dublagem, há todo um treino antes. Dá trabalho, mas é bom. Tenho prazer em fazer isso”, afirma.
Lorrane diz que a displasia óssea não é problema para sua carreira de influenciadora digital. “Quando entrei na internet, ainda existia um tabu. Eles me viam como a Pequena Lô deficiente, muletante, a baixinha. Hoje em dia, conseguem me ver como a Pequena Lô humorista”, conta. “Não imaginava que seria assim tão rápido, mas é o que sempre quis. Trabalho para isso desde 2015.”
Pequena Lô faz parte do grupo de risco. Ela espera o fim da pandemia para fazer aulas de teatro, já de olho em oportunidades na televisão. “Tenho vontade de atuar em novelas ou apresentar algum programa de TV”, diz.
* Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria
Euforia pode ser passageira
Juliana Christino, professora de marketing da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Face/UFMG), vê com cautela a euforia em torno do Tik Tok. “É sempre uma incógnita. Não sei se o Tik Tok vai ser a próxima grande rede social. Algumas já vieram com essa promessa e não se concretizaram, como o Snapchat”, pondera.
A professora diz que o fato de o Tik Tok ser uma plataforma complementar traz vantagens. “É possível fazer um vídeo lá e publicar em outros lugares, o que é muito legal. Talvez por isso ele dure mais tempo.” De acordo com ela, cabe à plataforma aproveitar o momento. “O Tik Tok tem que surfar nessa onda. É um grupo grande, com muito dinheiro, tem muito a explorar e crescer ainda.”
Ao comentar o sucesso dos influenciadores Mario Jr. e Pequena Lô, a especialista em marketing diz que tudo vai depender da capacidade deles de se reinventar. “O entretenimento, assim como a comida, demanda variações. Eles podem ser legais até surgir o próximo”, observa.
Na opinião da professora, o sucesso do influenciador digital depende mais do conteúdo e menos da plataforma. “Tem gente fazendo vídeo o tempo inteiro, mas nem todo mundo vai se tornar um tik toker famoso. Para que isso aconteça, deve haver empatia. As pessoas têm que se identificar, gostar do conteúdo e querer continuar assistindo”, conclui. (FG)
Rede de (muitas) intrigas
Kevin Mayer, CEO do Tik Tok, surpreendeu o mundo, na quinta-feira, ao deixar o cargo devido à guerra política enfrentada pela plataforma. Ex-executivo do grupo Walt Disney, ele havia assumido o posto em maio com o propósito de melhorar as relações do empreendimento ligado à China com o governo dos Estados Unidos.
Donald Trump está disposto a banir o Tik Tok dos EUA, acusando sua controladora, a chinesa ByteDance, de espionagem. O presidente exige que as operações do aplicativo sejam comandadas por uma empresa local. A Índia já baniu o app, enquanto o Reino Unido impõe restrições a ele.
Por sua vez, o Tik Tok processa o governo dos EUA e há negociações para a venda da divisão norte-americana. Os grupos Microsoft, Oracle e Twitter estão interessados em adquiri-la.
Esta semana, a gigante varejista americana Walmart anunciou parceria com a Microsoft nas negociações para a aquisição do Tik Tok. Segundo o canal CNBC, a plataforma está perto do acordo com um comprador, a quem venderia suas operações nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia por US$ 20 bilhões a 30 bilhões.
Atuando em 150 países, o Tik Tok se tornou o terceiro aplicativo mais baixado do planeta em 2020, segundo relatório da SensorTower Analytics. Ficou atrás do WhatsApp e do Facebook Messenger.
A plataforma de vídeos curtos, que oferece facilidades de edição e montagem de conteúdo, firmou-se no mercado das redes sociais ao contar com um algoritmo veloz e inteligente. Diferentemente do Instagram, o usuário do Tik Tok não tem acesso apenas a publicações de seus seguidores. A timeline traz conteúdos relacionados ao gosto do internauta a partir de suas interações na rede, apostando na ágil rotação de vídeos.
Resumindo: o algoritmo logo “compreende” a personalidade do indivíduo e “bombardeia” sua rede, gerando alto nível de engajamento.