O espaço, o corpo e a figuração. A partir desses três eixos temáticos, Antônio Sérgio Bueno, professor aposentado de literatura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pretende analisar a obra de Pedro Nava (1903-1984). O evento virtual, que tem início nesta terça-feira (1º/9), às 20h, integra mais uma edição do projeto Letra em cena on-line, com transmissão no canal do YouTube do Minas Tênis Clube.
Além da entrevista de Bueno com o jornalista José Eduardo Gonçalves, criador do projeto, haverá leitura de textos de Nava pelo ator Odilon Esteves. Os eixos selecionados foram trabalhados pelo professor em sua tese de doutorado “Vísceras da memória”, defendida na Faculdade de Letras da universidade e publicada pela Editora UFMG em 1997.
SÉCULO 20
Considerado o grande memorialista brasileiro, Nava publicou, a partir de 1972, sete volumes (o último deles póstumo), que acompanham não somente sua vida e a dos que lhe eram próximos, mas também o ambiente social, político e cultural do Brasil na primeira metade do século 20. “Ele trabalha muito com o espaço, Juiz de Fora (onde nasceu), Belo Horizonte (onde se graduou e começou a exercer a medicina) e Rio de Janeiro (onde viveu a maior parte da vida)”, diz Bueno.
No primeiro livro, Baú de ossos (1972), Nava fala, de acordo com o professor, “do pobre homem dos matos das Minas Gerais”, a narrativa se concentra em seus ancestrais. Chão de ferro (1976), título tirado do verso do amigo Carlos Drummond de Andrade, é também sobre Minas. “A primeira palavra de Beira-mar (1978) é 'ponto'. Em entrevista a Geraldo Magalhães publicada no Estado de Minas, Nava disse: ‘Sou um sujeito do Bar do Ponto’. Ou seja, era um sujeito definido pelo espaço”, observa Bueno.
O corpo, na análise do professor, tem relação com sua atividade na medicina. “Nava é um médico que passou a escrever sobre a memória não porque se cansou da medicina, mas porque a medicina o deixou. Quando os sentidos do corpo começaram a perder força, ele partiu para a escrita. Como médico, ele só adiava a morte um pouquinho. Já a escrita tem perenidade maior, hoje vemos como a obra vence a morte.”
Por sua vez, a figuração vem de outra natureza. “Ele foi pintor e um caricaturista fantástico”, comenta Bueno, que se encontrou quatro vezes com Pedro Nava. Em uma delas, durante uma aula na Faculdade de Letras, Nava revelou que tinha dois arrependimentos. “Um era ter deixado a clínica médica para se tornar reumatologista. O segundo, ele disse, ‘era ter deixado a minha cidade, onde deveria ter crescido e envelhecido’”, acrescenta Bueno, referindo-se a Belo Horizonte.
“Na verdade, ele tem três cidades. Belo Horizonte é a dos anos decisivos, ele chega aqui aos 17 anos. Quando voltou, nos anos 1970, ele foi catando a cidade do tempo dele. Mas quando volta para o passado, não é para uma coisa morta. Ele quer manter o passado vivo. Existe um conceito em pintura que se chama pentimento, ele é interessante para pensar a relação de Nava com Belo Horizonte. Pentimento, que vem de arrependimento, é quando se pinta outra coisa em cima da anterior. Tem várias camadas de cidades superpostas na obra de Pedro Nava”, conclui Antônio Sérgio Bueno.
LETRA EM CENA
Nesta terça-feira (1º/9), às 20h, com o professor de literatura Antônio Sérgio Bueno, no canal do YouTube do Minas Tênis Clube (youtube.com.br/minastcoficial)