Essa é uma história nova e, ao mesmo tempo, muito antiga. Nova porque começou a ser escrita, literalmente, há cerca de 30 anos, depois da Constituição de 1988, após o início das políticas públicas para a alfabetização dos povos indígenas e da promulgação da Lei 11.645, que, em 2008, incluiu a temática “história e cultura afro-brasileira e indígena” no currículo das escolas, abrindo caminho para a publicação de obras literárias. E antiga porque é milenar, remete a conhecimentos e tradições passados oralmente de geração a geração.
Uma história que começou a ser contada em livro por nomes como Eliane Potiguara, Kaká Werá e Daniel Munduruku, e que hoje encontra novas vozes, linguagens e temas.
Julie Dorrico tem 30 anos. Mora em Porto Velho, é macuxi, escritora, poeta e faz doutorado em literatura indígena na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande de Sul. Pelas suas contas, existem hoje, no Brasil, 57 autores indígenas. Ela ajuda a divulgar o trabalho deles em seu canal no YouTube, o Literatura Indígena Brasileira.
INTERESSE
Se antes o espaço era ocupado por autores de livros infantis, hoje vemos pensadores como Ailton Krenak e Davi Kopenawa despertando o interesse do grande público.
Ideias para adiar o fim do mundo, lançado por Ailton Krenak no ano passado, segue na lista dos mais vendidos e, junto do recente A vida não é útil, já ultrapassa os 60 mil exemplares vendidos. A edição é da Companhia das Letras, que também publica Kopenawa e lançou, em 1997, o livro de Daniel Munduruku – o primeiro de um indígena para crianças não indígenas. Hoje, Daniel e seus mais de 50 títulos já venderam 5 milhões de cópias.
“Há um tema que tem favorecido a manifestação da literatura indígena: a preocupação coletiva com o meio ambiente. Preocupação, diga-se, que sempre foi a dos indígenas. Isso tem permitido que esse lugar de enunciação seja mais escutado. É bacana, porque a literatura indígena sempre discutiu isso e sempre se posicionou contra o capitalismo e a expansão”, comenta Julie Dorrico. “A literatura indígena tem ensinado o leitor não indígena a repensar a história, a memória, os imaginários simbólicos impregnados no imaginário nacional.”
E sobre o que essa produção fala? “Ela tem duplo aspecto. É de resistência, e essa é uma bandeira importantíssima para as minorias em direito, mas é também de reexistência, como diz Kaká Werá. Existe nela a indignação em relação à colonização, sempre tematizada, e o orgulho de ser indígena”, responde Julie.
Auritha Tabajara, de 40 anos, é a primeira cordelista indígena do Brasil. Contadora de histórias que vivia em São Paulo e tinha trabalho até novembro, ela precisou da ajuda de amigos para conseguir embarcar em um ônibus rumo ao interior do Ceará.
A cordelista já não podia pagar o aluguel nem se manter com a filha na capital paulista. Chegando à casa de Francisca, sua avó, de 91 anos, a quem deve boa parte de suas histórias, soube que ganharia os R$ 600 da bolsa por três meses.
“Fiquei muito feliz. Isso está me ajudando a comprar comida e a pagar a internet para conseguir continuar trabalhando – ou pelo menos divulgar meu trabalho”, conta. A vida não tem sido fácil, mas, segundo ela, a literatura oferece um caminho e um alívio.
Indígena, nordestina, poeta, lésbica. Dois filhos mortos e uma desaparecida. Agora desempregada. “Minha história é muito triste, mas é de superação. Nunca desisti dos meus objetivos e uso essa força na minha escrita”, afirma Auritha.