Preste atenção ao mapa que ilustra esta matéria e veja como o Brasil se destaca, em tamanho, em relação a outros países de território igual ou até maior. O mapa projeta o que a combinação de luz, água e ar gera na Terra. E o Brasil surge enorme simplesmente porque é o local onde mais se produz vida em todo o planeta.
Tal exemplo, claríssimo, vem ilustrar algo que o país ainda não percebeu com a devida exatidão. O Brasil tem a possibilidade de se tornar gigante da chamada economia limpa, em que a natureza preservada é central na criação de valor econômico. As mudanças, que já vinham chegando rapidamente, foram aceleradas pela pandemia do novo coronavírus.
Com lançamento nesta quarta-feira (9), o livro Brasil: Paraíso restaurável (Estação Brasil), do jornalista Jorge Caldeira, escrito com a contribuição da economista Julia Sekula e da jornalista Luana Schabib, defende a mudança de conceitos e consciência ambiental.
“Ainda dá para pegar a onda, não é nenhum bicho de sete cabeças. O Brasil, por sua natureza produtiva, pode ganhar agora dinheiro por isso. Ou então será um gigante deitado eternamente em berço esplêndido”, afirma Caldeira.
As mudanças não têm que ocorrer somente em nível governamental, aponta. “Com a descentralização da produção de energia, o cidadão pode ser ativo, não dependente do governo”, acrescenta o autor, que já assinou 15 livros sobre a história brasileira, entre eles Mauá: Empresário do Império (1995), um best-seller.
Na obra, fartamente ilustrada por mapas, gráficos e reproduções de obras de arte, os autores revelam, por meio da história, como o mundo agiu e como vem se preparando para o novo amanhã. Apresentam argumentos que comprovam os problemas dos combustíveis fósseis, quais são as energias em ascensão e como outros países, além do Brasil, vêm lidando com a questão.
“Não é utopia. O potencial do Brasil é gigante, tudo aqui é fácil de fazer. O país tem tudo, menos a percepção de que esta é a chance”, afirma Jorge Caldeira nesta entrevista.
O livro é atualíssimo, pois os autores trazem a pandemia do novo coronavírus para o novo cenário. Tiveram que mudar muita coisa?
Já tínhamos uma versão praticamente pronta quando veio a pandemia. Aí percebemos que o mundo havia mudado, que a pandemia não era um evento marginal, que dava início a uma recessão que não se conhecia desde o século 14 (com a peste negra). Paramos o processo e recomeçamos reavaliando o impacto da pandemia em todas as coisas importantes que estavam no livro. A principal delas é a transição para uma economia de carbono neutro. Durante três meses, acompanhamos as mudanças diariamente, queríamos ver se essa transição seria acelerada ou brecada. Não fomos só nós, era uma pergunta mundial. A rigor, o que a COVID-19 fez foi acelerar, mostrando a tendência da transformação. Isso quer dizer que o relógio na transformação econômica para o carbono neutro está andando depressa.
Para se chegar ao “paraíso restaurável”, primeiramente deve haver consciência ambiental, não é?
Tem que mudar a consciência de simplesmente não enxergar o que está acontecendo, ver o tamanho da transformação econômica no mundo. No Brasil, grosso modo, a opinião pública imagina o assunto como piada de hippies e não como transformação produtiva no grau em que é mostrada no livro. Atingir metas ambientais virou o centro do planejamento econômico mundial, ideia a que estamos pouco acostumados, mas que o mundo vem adotando há mais de uma década. A Alemanha em 2005, a União Europeia em 2007, a China... A economia do mundo está andando nessa edição, mas a percepção do brasileiro é como se não estivesse acontecendo nada.
A Amazônia é o eixo central de um possível protagonismo brasileiro nessa seara?
A Amazônia é uma questão importante. O Brasil pode ser campeão de energia solar, de energia eólica, de energia de todas as espécies, e ele ainda tem a maior reserva florestal do planeta. O mapa, na capa do livro, mostra a proporção do quanto a natureza produz. Se bem aproveitada, ela fará do país líder; mal aproveitada, fará do Brasil o que ele já é. O paraíso às vezes está na sua porta e você passa batido.
Sem mudança política é possível haver mudança na economia?
Não é uma mudança institucional. O livro não fala em governo nenhum, porque, como nos mostram a China, os Estados Unidos e a Alemanha, as mudanças começaram de baixo, em nível local. Não conheço nenhum estado brasileiro que seja planejado por metas ambientais. Não é uma questão do governo federal, estadual, não interessa por onde começa. O Brasil entra neste mundo através da energia eólica. Em 10 anos, criou uma Itaipu em energia eólica que recebeu R$ 32 bilhões em investimento. Quer dizer, o Brasil está indo nessa direção também. Só que políticas públicas em torno disso são quase nulas.
O que o cidadão pode fazer?
Com a descentralização da produção de energia, o cidadão pode ser ativo, não dependente do governo. Qualquer cidadão pode usar a energia solar para remodelar sua produção energética. São coisas acessíveis, não se precisa de governo para tal. A rigor, as mudanças começaram de baixo, como mostramos no livro, em um vilarejo na Alemanha que tinha muito vento, em uma cidade de Vermont, nos EUA. Tais mudanças não serão controladas de cima, estão no nível do cidadão. O processo de energia solar, como está acontecendo no Brasil, começou atrasado. Setenta por cento da energia solar disponível no país foi instalada somente em 2019.
O livro disseca exemplos na China, Alemanha, EUA, Índia. Quem está na frente?
Há exemplos no mundo inteiro. China e Alemanha disputam a liderança, pois lá a energia limpa está muito disseminada. Energia solar é a China. Os EUA eram líderes em automóveis (movidos a energia limpa), agora China e Alemanha assumiram a liderança. A Alemanha vai parar de fabricar na próxima década o automóvel como a gente conhece. O automóvel do futuro é elétrico, abastecido por energia solar. Por isso a Tesla vale, hoje, mais do que a GM, Ford e Toyota juntas. Esse é o tamanho da mudança que o Brasil não está enxergando. A onda é gigante. Ou a gente surfa no começo ou ela passa por cima da gente.
Quem vem ganhando com a pandemia?
No caso da energia, a recessão se abateu sobre diferentes formas. Combustíveis fósseis como carvão e petróleo tiveram queda de consumo gigantesca. A COVID-19 mostrou que a economia está indo para a energia renovável, com o crescimento das energias solar e eólica. No campo financeiro, os fundos ESG (do inglês Environmental, Social and Governance/Ambiental, Social e de Governança, ou seja, investimentos que levam em conta critérios de sustentabilidade) são os que têm mais dinheiro. Na União Europeia, houve o Green Deal (o “plano verde”, lançado em dezembro de 2019). Todo o dinheiro para a recuperação da economia em decorrência da pandemia só será liberado para quem apresentar metas ambientais. A Air France recebeu 7 bilhões de euros para sua recuperação, mas terá que refazer a malha aérea para diminuir em 40% a emissão de gases. É disto que estamos falando: o salto é atrelar o desenvolvimento com o cumprimento de metais ambientais. A crise da COVID fez com que a transição se acelerasse. O que vem acontecendo na recessão é que os fundos ESG tiveram desempenho melhor do que os outros. São US$ 30 trilhões, o que significa 15 vezes o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil. Essa gente está dando as cartas, mas só pode aplicar se as empresas tiverem um bom plano de transição para a economia limpa.