Quando o rostinho com cabelos raspados apareceu na série Stranger things, em 2016, inaugurava-se um futuro brilhante para Millie Bobby Brown, então com 12 anos. Agora, aos 16, muita coisa mudou. Até o seu sotaque. A atriz interpreta a personagem-título de Enola Holmes, filme que a Netflix lançou nessa quarta-feira (23).
Na verdade, a atriz também está nos créditos como produtora do longa, função que ela desempenha pela primeira vez. Trata-se de algo "assustador", segunda diz, embora reconheça que múltiplas funções são bastante comuns na carreira artística.
Na trama, Enola Holmes é a irmã do famoso detetive Sherlock Holmes, vivido por Henry Cavill. A menina é filha de Eudoria, interpretação misteriosa e divertida de Helena Bonham-Carter. As duas atrizes falaram a respeito do trabalho em uma entrevista coletiva virtual.
O espectador deve se preparar para muitos segredos e uma quantidade imensa de cenas de ação. Desde criança, Enola foi criada pela mãe, que deu a ela um treinamento especial: luta física, história, política, conhecimentos em botânica, agilidade e como se virar em um mundo comandado por homens.
"É uma história que oferece uma perspectiva feminina para jovens garotas. Ao se voltar para Sherlock, verá que havia um domínio masculino, com suas opiniões. Já as mulheres não tinham a mesma oportunidade", conta Millie.
Um dia – e como esperado –, o treinamento de Enola se torna necessário, e a garota decide tomar as rédeas da própria vida, indo morar na Londres de 1884. Na saga de seis livros da autora Nancy Springer, que inspirou o filme, a política seguia ocupada por homens, e o futuro das meninas era estudar em colégios internos para se tornar donas de casa. Poucas e corajosas mulheres, entre elas a mãe de Enola, buscavam maneiras de ter acesso ao voto, mesmo que pela rebeldia.
Enquanto busca sua independência, Enola conhece o jovem Lord Tewksbury, um herdeiro político que precisou sair às pressas de sua casa após a morte do pai. "Ele é um anti-herói", conta o ator Louis Partridge. "O filme não glamouriza o fato de ele ser um lorde. De alguma maneira, ele também precisa encontrar seu caminho." E, para chegar lá, a dupla enfrenta saltos de trens em movimento, embates físicos, corridas e escaladas.
DISFARCES
Com talento nato para ser detetive, Enola tem uma estratégia discreta e um tanto divertida: disfarces. No longa, ela vai de viúva a jornaleiro, passando por dama de companhia. Ao perceber uma oportunidade, a menina oferece dinheiro para trocar de roupa com alguém na rua. Durante a produção, a atriz passou alguns meses convivendo com a moda do fim do século 19, repleta de vestidos longos e espartilhos.
Outra coisa que mudou foi o sotaque da atriz. Em Stranger things, Millie interpreta Eleven, uma personagem norte-americana. Após três temporadas da série da Netflix, a atriz, que é britânica, precisou reaprender a falar como uma local. Mas nada se compara à atuação de Millie com Helena. A conexão entre mãe e filha é um ruído para os irmãos Sherlock e Mycroft (Sam Clafin). Os marmanjos não intuem e subestimam a força das duas. "Elas têm um jeito de se comunicar, de trocar informações, e a prioridade era que Enola aprendesse a se cuidar", explica Helena.
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Para Louis, contracenar com a atriz e produtora foi uma dupla jornada interessante, que também fez nascer uma amizade. Ele brinca que foi difícil tratá-la como sua chefe: "Deve ser porque eu sou alguns meses mais velho que a Millie. Inclusive, passei meu aniversário com ela."
Três perguntas para...
Harry Bradbeer, diretor de Enola Holmes
O filme usa um recurso semelhante ao da série Fleabag: a protagonista fala com a câmera, como uma confidente. É um modo diferente de acrescentar humor à personagem?
Acho que tem a ver com a energia que colocamos e a excentricidade das personagens. Meu desejo é explorar a vulnerabilidade dessas figuras. Apesar de Enola falar com segurança e confessar coisas, ela também está desesperada. Em uma criação dramática, é como descascar as camadas das nossas autodefesas para chegar a quem somos.
Qual a sua relação com as histórias de Sherlock e como explicar a força do personagem até hoje?
Li Sherlock pela primeira vez quando tinha uns 12 anos, na escola. Fui capturado pela trama de O cão dos Baskervilles. Era assustador ler aquilo à noite. Sherlock é um personagem que você sente que conhece completamente, mas ele é um ícone. E a grande coisa sobre ícones é que eles são rebeldes à luz da interpretação.
Como é criar um filme com uma atriz jovem, mas que também consiga atrair diferentes audiências?
Posso dizer que nunca fiz um trabalho para jovens. Eu conto histórias para todos. É preciso assumir que sua audiência é esperta, guardar algumas surpresas, e fazer acontecer. A Millie é jovem – ela tinha 15 anos quando gravamos –, mas acho que o filme é feito para adultos. Os jovens podem curtir a energia e as cenas de aventura, mas há o tema de direitos humanos, e uma família disfuncional.