Na programação do tricentenário do episódio conhecido como Sedição de Vila Rica, Filipe dos Santos (1680-1720) – protagonista da revolta contra a cobrança de impostos pela Coroa portuguesa, que foi condenado à morte – ganha um rosto, estampado em gravura adquirida por um associado do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG) e doada à entidade. Embora demande pesquisas, o desenho, medindo 30cmx40cm, traz uma pista: a assinatura “Zanellotti” no canto inferior esquerdo, diz o presidente da Comissão de História de Minas do IHGMG, o promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda. “Estamos empenhados em descobrir a autoria e a data de produção da gravura”, explica Souza Miranda.
Em Ouro Preto, a 95 quilômetros da capital, onde ocorreu o suplício de Filipe dos Santos no local onde hoje fica o distrito de Cachoeira do Campo, a programação em 2020 seria festiva: além dos 300 anos do episódio que daria origem ao estado de Minas Gerais, a primeira cidade brasileira reconhecida como patrimônio da humanidade comemora quatro décadas do título, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A pandemia do novo coronavírus, porém, atropelou os festejos.
Mesmo com o cancelamento dos eventos presenciais, uma obra importante está em andamento em Cachoeira do Campo. De acordo com a secretária municipal de Cultura e Patrimônio, Deise Lustosa, prossegue o restauro, com serviços agora na cobertura, do Solar dos Pedrosa, casarão vizinho à Igreja Nossa Senhora de Nazaré, templo do século 18 que foi cenário de outros momentos épicos da história, como a Guerra dos Emboabas (1707-1709).
A obra no último sobrado do distrito é conduzida com financiamento da Prefeitura de Ouro Preto obtido no Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), no valor de R$ 1 milhão, com contrapartida do município de R$ 200 mil.
Nascido e criado no distrito, o professor de história da arte Alex Bohrer, autor de dois livros sobre Ouro Preto, informa que havia no povoado 230 imóveis históricos, entre sobrados e casarões. Hoje, resta apenas o Solar dos Pedrosa, nome de família que lá viveu, na Praça Filipe dos Santos ou da Matriz.
"A Sedição de Vila Rica está a reclamar maiores estudos por parte dos historiadores, pois ainda é pouco o que se sabe sobre seus principais personagens e suas circunstâncias, se compararmos com outros movimentos insurgentes ocorridos em Minas Gerais no século 18, notadamente a Inconfidência Mineira"
Marcos Paulo de Souza Miranda, presidente da Comissão de História de Minas do IHGMG
MAIS PESQUISAS
Passados três séculos, “a Sedição de Vila Rica está a reclamar maiores estudos por parte dos historiadores, pois ainda é pouco o que se sabe sobre seus principais personagens e suas circunstâncias, se compararmos com outros movimentos insurgentes ocorridos em Minas Gerais no século 18, notadamente a Inconfidência Mineira (1789)”, explica Marcos Paulo de Souza Miranda.
Segundo o promotor de Justiça, pesquisador e autor de livros, a historiografia tem dado ênfase às figuras de Paschoal da Silva Guimarães, que seria o cabeça do movimento, e de Filipe dos Santos Freire, que pagou com a própria vida o desafio à autoridade do então governador, o conde de Assumar.
O especialista explica que também foram considerados articuladores do movimento e remetidos presos, inicialmente ao Rio de Janeiro e posteriormente a Portugal (1722), Manoel Mosqueira da Rosa, Sebastião da Veiga Cabral, Antônio Nunes Reis, José Peixoto da Silva, José Ribeiro Dias, João Ferreira Dinis, Antônio de Figueiredo Botelho, Manoel Moreira da Silva e frei Francisco do Monte Alverne. E acrescenta: “Documentos indicam que Tomé Afonso Pereira também foi preso pelo tenente José de Moraes, condenado à morte pelo conde e executado em Vila Rica”.
Na avaliação do pesquisador, torna-se necessário trazer novas informações sobre a biografia dos dois principais personagens do movimento, preenchendo lacunas até então não resolvidas pela historiografia. Ocorrida em meados de 1720, a chamada Sedição de Vila Rica pode ser definida como um movimento insurgente “que tinha como ânimo a oposição à criação das casas de fundição do ouro em pó em Minas Gerais, tarefa que, determinada em lei do ano anterior, devia ser colocada em prática pelo conde de Assumar. Enviado pouco antes ao território, o governador se envolveu em desavenças, gerando forte descontentamento entre a elite de então.
PALESTRA
Fruto da parceria entre o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, estão sendo apresentadas, sempre às 19h, palestras virtuais no canal do instituto no YouTube sobre os 300 anos de Minas. Na terça-feira (29), o tema será “Sedição de Vila Rica”, com a participação do desembargador do TJMG Bruno Terra Dias e do promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda.
HOMENS DA SEDIÇÃO
Os mais conhecidos
personagens da revolta
» Filipe dos Santos Freire
Por ter sido um dos únicos a tramar a morte do conde de Assumar, sofreu a pena máxima após ser sumariamente julgado e condenado pelo conde. Foi enforcado, arrastado pelas ruas de Vila Rica e esquartejado. Segundo a sentença, sua cabeça deveria ser pregada no pelourinho de Vila Rica e seus quartos nas localidades de Cachoeira, São Bartolomeu, Itabira (atual Itabirito) e na Passagem do Ribeirão Abaixo (atual Passagem de Mariana). A historiografia muitas vezes se refere a Filipe dos Santos como um simples e pobre tropeiro. Entretanto, análise de documento lavrado em Vila Rica em 1722 revela que ele era proprietário de quantia expressiva de bens (incluindo dois imóveis, roupas refinadas, escravos e créditos), que somavam 1.501 oitavas de ouro. Foi batizado em 15 de janeiro de 1678 na Paróquia de São Vicente de Alcabideche, Conselho de Cascais, Portugal. Residindo em Lisboa, casou-se em 2 de agosto de 1701, na Freguesia de São Sebastião da Pedreira, com Teresa Maria.
» Paschoal da Silva Guimarães
Batizado na Paróquia de Nossa Senhora de Oliveira da Vila de Guimarães, em Portugal, em 4 de abril de 1673. Veio para o Brasil ainda jovem, passando a viver no Rio de Janeiro, onde se casou em 22 de janeiro de 1696. Mais tarde se mudou, tornando-se dos primeiros moradores das terras que se tornariam Minas Gerais. Era comerciante abastado, opulento proprietário rural na região de Sabará e grande minerador em Vila Rica. No Morro do Ouro Podre, também conhecido como Morro do Paschoal, tamanha a sua influência e extensão de propriedades naquela porção de Ouro Preto, deu início à extração aurífera. Na área militar, Paschoal ocupou diversos postos de relevância.