Tendo a cantora Elza Soares e o rapper Djonga como principais atrações e um formato que inclui a projeção em duas empenas da capital mineira de shows ao vivo (também transmitidos via YouTube), o Festival IMuNe (Instante da Música Negra) encerra neste sábado (26) sua segunda edição, que precisou ser completamente reformulada, no cenário da pandemia do novo coronavírus.
O festival teria uma versão itinerante pelas cidades de Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, em julho e agosto passados. “A gente teve que remodelar, pensando que não teria mais a possibilidade de lucro do evento presencial. Então, foi muito difícil conseguir fazer uma programação que tivesse o tamanho desejado e, ao mesmo tempo, não nos deixasse no vermelho, com problemas financeiros”, afirma Bia Nogueira.
Ao lado dos também artistas mineiros Cleópatra, Gui Ventura, Maíra Baldaia, Raphael Sales e Rodrigo Negão, Bia integra o coletivo IMuNe, que desde 2016 busca acentuar o protagonismo de pessoas negras na música. “O grupo tem uma atuação ampla, e o Festival IMuNe é só uma dessas ações”, diz Bia, idealizadora e coordenadora geral do coletivo.
Mesmo tendo que oferecer um cachê abaixo da média, o festival teve uma grande adesão de artistas, contando com a parceria de Djonga, Elza Soares e o grupo Meninos da Lua. O espetáculo-live desta noite, chamado de IMuNe experience, será transmitido do Centro Cultural Lá da Favelinha, no Aglomerado da Serra, região Centro-Sul de Belo Horizonte, onde os artistas estarão reunidos, seguindo as recomendações dos órgãos de saúde para evitar o contágio pelo novo coronavírus.
“A favela tem uma produção cultural muito potente e, para a gente, faz todo o sentido promover o evento nesse local. Não poderia ser diferente”, diz Bia. A live será projetada em duas empenas de Belo Horizonte, localizadas no Centro e no Aglomerado da Serra. A escolha foi estratégica, para os moradores conseguirem assistir de suas janelas, impedindo aglomerações.
TELÃO
“É como se fosse um telão em tempo real. É a forma que a gente encontrou de se conectar com a cidade. Então, vai ter drones visitando algumas janelas, para as pessoas interagirem. Estamos bem animados”, comenta a coordenadora do coletivo.Djonga, um dos nomes mais influentes da cena belo-horizontina, vai conduzir a noite. Ele escolheu atuar como um griot, ao qual deu o nome de Kalunga. Na performance, escrita pelo dramaturgo Marcos Fábio de Faria, inspirada na Teoria Afroapocalíptica criada pelo multiartista Rodrigo Jerônimo, o narrador percebe que o mundo vem acabando a cada pessoa negra morta violentamente e promete transmitir uma forte mensagem ao público.
O formato surgiu a partir de uma vontade de Djonga de apresentar algo novo para contribuir com o festival. O rapper belo-horizontino vai fazer aparições entre as apresentações. “O apocalipse para o preto no Brasil sempre existiu. Para os povos indígenas já é uma realidade também, há muito tempo. A gente vai falar um pouco disso no espetáculo e apontando para um futuro de superação. Para mudar o mundo, nós precisamos de otimismo”, afirma Bia Nogueira.
A curadoria do evento apostou em uma programação diversa e inclusiva, contemplando a pluralidade da música negra e dialogando com a saga do contador de histórias. Às 20h, a banda itabirana Meninos de Minas abre a noite, com uma apresentação que propõe o encontro com a ancestralidade, inspirado nos sons do congado e da música afro-mineira.
Em seguida, o Favelinha Dance, coletivo de dança voltado para os estudos e a difusão do funk, produzido pelo rapper Kdu dos Anjos, faz apresentação especial, contemplando a arte produzida no Aglomerado da Serra, dentro do propósito de promover a cura pela diversão.
Às 21h, Mc Dellacroix sobe ao palco representando a música trans e as múltiplas possibilidades de existência. “A gente precisa dar espaço e trazer essas pessoas. A Mc Dellacroix é uma potência, a gente acha que precisa sair do óbvio às vezes”, diz Bia.
Segundo Mc Dellacroix, a iniciativa é importante para contribuir para erradicar a visão de que a prostituição é a forma hegemônica de trabalho de pessoas trans no Brasil, país que mais mata transexuais no mundo. “Somos diversas e plurais, e nossa arte também reflete isso”, afirma.
MENTE ABERTA
A rapper paulista espera que o público mantenha a mente aberta para absorver sua arte. “Eu falo da minha vivência e nem sempre isso vem como algo agradável de ouvir. Meu show tem estado em outro formato, tenho soltado minhas bases, experimentando esse lugar de cantora/DJ ao mesmo tempo, para entregar uma nova proposta de performance ao vivo”, diz.
A banda IMuNe faz sua estreia no palco, às 21h30. O grupo é um experimento para potencializar a carreira dos seis artistas negros integrantes do coletivo belo-horizontino. Eles vêm lançando músicas com videoclipes desde agosto, mesclando sons do pop, rap, eletrônica, congado e música brasileira.
“Cada artista deu uma recuada em seu próprio estilo para surgir esse outro”, comenta Bia Nogueira. Até novembro, o grupo vai disponibilizar mais cinco obras autorais inéditas no YouTube produzidas pelo selo do coletivo IMuNe.
Para o show desta noite, a banda preparou um repertório de oito músicas. Bia Nogueira, Cleópatra, Gui Ventura, Maíra Baldaia, Raphael Sales e Rodrigo Negão serão acompanhados de Sidoka (produtor musical) e Deborah Costa (diretora musical). “Foi um desafio para a gente ensaiar um show, mesmo que curtinho, em quatro dias, mas vai rolar. Estamos na expectativa, no nervosismo de como vai ser a receptividade, de como vai ser a gente juntos no palco”, conta a cantora.
Elza Soares é a grande homenageada e madrinha do Festival IMuNe, escalada para fechar a live com sucesso. Aos 90 anos, a cantora fez questão de prestigiar o evento que celebra a música negra. “É mais que obrigação minha (integrar o festival). Eu me sinto honrada, orgulhosa de participar. Tá todo mundo de parabéns”, diz Elza.
A cantora se apresenta às 22h05, ao lado do rapper Flávio Renegado, que promete trazer a onda negra contemporânea. A banda IMuNe também vai fazer participação especial no show. Elza não revelou o que estão preparando, mas lembra: "Sempre tem algo especial. Estou na expectativa do melhor, como sempre!".
Segundo Bia Nogueira, o festival é um grande laboratório para pautar a ação do coletivo IMuNe daqui pra frente. “Espero que a gente possa se conectar com a nossa cidade, com o Brasil, e que as pessoas possam ter nessa live um pouco de diversão, alento, nestemomento tão difícil.”
O festival foi viabilizado pela Natura Musical, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, e conta com o apoio da Cemig.
*Estagiário sob supervisão da editora Silvana Arantes
FESTIVAL IMUNE
Confira o line-up da megalive deste sábado (26)
•20h – Abertura Djonga (como griot)
•20h05 – Meninos de Minas
•20h30 – Djonga (como griot)
•20h35 – Favelinha Dance
•20h55 – Djonga (como griot)
•21h – MC Dellacroix
•21h25 – Djonga (como griot)
•21h30 – Banda IMuNe
•22h – Djonga (como griot)
•22h05 – Elza Soares e Flávio Renegado
•23h20 – Djonga (como griot)
YOUTUBE: No canal do coletivo
EMPENAS: Rua Oliem Bonfim Guimarães, 61 (Aglomerado da Serra)/Av. Amazonas s/nº (Centro)