"Comecei a fotografar colegas nos ensaios, levava as imagens para casa para afinar nariz, tirar olheira, uma ruguinha aqui, outra ali. Usava o photoshop da pré-história, um lápis"
Aderi Costa, fotógrafo
Por longos quatros meses, de março a junho, o fotógrafo Aderi Costa, de 66 anos, ficou trancado no seu apartamento em Ipanema, no Rio de Janeiro. Temendo contrair o novo coronavírus, seguiu à risca os cuidados com a saúde. Por isso, fechou o Studio do Cais, no bairro do Santo Cristo, na zona portuária da capital fluminense. Com 1,8 mil metros quadrados e inaugurado no fim da década de 1980, o espaço é um dos mais importantes no setor de publicidade e cinema do país. “O estúdio vai sendo reaberto aos poucos, de acordo com os protocolos contra a COVID”, anuncia Aderi.
Isolado, o mineiro passou os dias na companhia de Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Machado de Assis, Valter Hugo Mãe, Fernando Pessoa e José Saramago. “Nunca li tanto, nunca tive tempo para ler... E continuo lendo”, diverte-se.
Apesar de fechar o Studio do Cais por quatro meses, Aderi conseguiu bancar os custos do espaço. “Como bom mineiro, sou prevenido”, avisa. A produção de gado de corte em sua fazenda em Cabrais, vilarejo próximo a Santo Antônio do Monte, na Região Centro-Oeste de Minas, ajudou a cobrir o déficit. “Não cheguei a capotar financeiramente, não mandei ninguém embora. Sobrevivi faturando pouco”, revela. A locação do espaço, mais recentemente, também é fonte de recursos.
Quando a pandemia chegou, o fotógrafo estava na mesa de edição com Gringo Cardia, diretor de arte de seu novo livro. Com 300 páginas, ele vai reuni 130 fotos produzidas pelo estúdio em um ano e meio de trabalho. Previsto para o semestre passado, o lançamento foi adiado.
“Não fosse o isolamento social, já estaria preparando o segundo livro”, conta o autor, que agora passa uma temporada em sua fazenda mineira.
A ideia de fotografar artistas e personalidades como elas são, longe do glamour do showbizz, remete aos tempos em que Aderi, aos 12 anos, trocou a roça pela cidade para ajudar Paulo Costa, o irmão retratista.
“Fazíamos muitas fotos em casas velhas, com pouca luz ou com a luz das janelas. Conseguíamos sempre o olhar espontâneo e expressivo das pessoas. Neste livro, quis retratar os artistas como fotografei aquelas pessoas há mais de 40 anos, o mais natural possível”, explica.
Aderi considera a busca pela beleza “uma coisa doida demais”, seja por meio de photoshop, filtros de aplicativos de celular ou de intervenções, como é o caso das lentes aplicadas nos dentes. “Parece que (quem coloca) está com Mentex na boca”, critica. “Essa obsessão brasileira não faz sentido, é um absurdo, quase uma doença. Espero que seja uma coisa passageira.”
Em seu estúdio, o fotógrafo foi testemunha do arrependimento de várias mulheres bonitas que mudaram o rosto devido ao excesso de preenchimento. “Agora elas não sabem mais o que fazer”, observa. Aderi defende que todos devem assumir a passagem do tempo. “Acho assustador quando as pessoas perdem a expressão.”
Dizendo-se cansado do mercado de publicidade, onde a busca da perfeição “é para enganar o consumidor”, Aderi quer se aposentar e viver de projetos autorais. Além do novo livro, ainda sem data de lançamento, ele já tem pronto outro projeto, mostrando os bastidores da São Paulo Fashion Week e da Fashion Rio, feira de moda que cobriu por 10 anos. Também guarda um livro ainda inédito com fotos antigas feitas no interior de Minas.
Homem da imagem, ele não é muito chegado às redes sociais. “As pessoas têm uma ansiedade absurda, postando-se o tempo todo”, critica. “Às vezes, dou uma entradinha, começo a ficar tonto e saio. Você deixa de viver se for ver rede social o dia inteiro. Mas tenho de ter notícia do que está acontecendo”, pondera.
BH
Na adolescência, Aderi trocou Santo Antônio do Monte por Belo Horizonte. Com amigos, entre eles o artista plástico Miguel Angelo Gontijo, dividiu “apartamento com colchão no chão”, no Barro Preto. Apesar de formado em contabilidade, conseguiu o primeiro emprego na capital mineira em uma loja de artigos fotográficos, a Bom Foto.
Na mesma época, cursou o Teatro Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais (TU/UFMG). Foi ali que Aderi deslanchou. “Comecei a fotografar colegas nos ensaios, levava as imagens para casa para afinar nariz, tirar olheira, uma ruguinha aqui, outra ali. Usava o photoshop da pré-história, um lápis, e ganhava um troquinho. Dormia à meia-noite e às seis estava de pé”, relembra.
No TU, descobriu-se péssimo ator ao participar das peças As bruxas de Salem e Grande sertão: Veredas, dirigidas por Aideé Bittencourt, então diretora da escola. “Morria de vergonha”, admite ele.
A fotografia virou a companheira inseparável. Pelas ruas, clicava o que lhe chamava a atenção. Participou de vários concursos. Com a imagem da irmã Tininha, posando de modelo, ele faturou o primeiro lugar em um evento promovido pela Foto Retes, loja tradicional de BH.
Na Jambalaya, famosa boate de BH nos anos 1970, Aderi conheceu a atriz Divana Brandão e se casou. “Com uma mão na frente e outra atrás”, os dois seguiram de fusquinha para o Rio de Janeiro. Eles tiveram um filho, Ian Costa, também fotógrafo.
O casamento não durou muito, mas Aderi se enturmou com o pessoal do cinema. Trabalhou fotografando cenas dos filmes Amante latino (1979), dirigido por Pedro Carlos Rovai (1979), e Menino do Rio (1982), de Antônio Calmon. Também assinou imagens de capas de discos de Moraes Moreira e Cauby Peixoto, entre outros cantores.
De 1985 a 1988, o mineiro morou na Europa, depois de enfrentar, aqui no Brasil, “uma fase ruim em que as coisas não andavam”. Quando retornou, fez análise “para segurar a cabeça”, alugou um espaço que se tornou referência para a publicidade e trabalhou com as maiores agências do Brasil.
Em 1989, Aderi pagou um preço barato pelo prédio onde funciona o Cais. O espaço, que conta também com estúdio médio de cinema, foi reformado e ganhou projeto do arquiteto Hélio Pellegrino.