Tal como era antes não está, mas a atividade das galerias de arte começam a se normalizar em Belo Horizonte, dentro das possibilidades. De portas abertas, mas com visitação agendada e seguindo os protocolos sanitários, alguns espaços estão com novas exposições, exibindo trabalhos que dialogam, direta ou indiretamente, com a pandemia da COVID-19.
Neste sábado (3), a AM Galeria, na Serra, inaugura a mostra Rua Mútua – Retrospectiva Grupo Entre Aspas %2b Desali, com obras do artista produzidas neste ano e um apanhado de registros do coletivo de intervenção urbana do qual Desali faz parte. Com curadoria de Manu Grossi, a mostra leva para o espaço fechado de uma galeria obras que nasceram na rua.
Primeira individual de Desali em Belo Horizonte desde Vulgo. Lembra-se da grande mesa na sala de jantar (2017, Galeria Mari’Stella Tristão, do Palácio das Artes), a mostra reúne cerca de 30 trabalhos em diferentes suportes. Boa parte desse material estaria na SP Arte. Como a feira, prevista para abril passado foi cancelada, o artista retrabalhou as obras.
RAIVOSA
“A pandemia está presente o tempo todo (nos trabalhos). A pintura está carregada, meio raivosa nas tintas e nas sujeiras. Isso acaba girando em torno das questões políticas, ditatoriais que estamos vivendo, assim como a sensação de aprisionamento que as circunstâncias atuais nos passam”, comenta Desali.O artista trabalhou em seu ateliê, em barracão que mantém nos fundos de sua casa, no bairro Nacional, em Contagem. Ele monta suas telas a partir de materiais que recolhe nas ruas, nas caminhadas constantes que faz por sua vizinhança. Muitas telas saem do formato tradicional, do quadrado e retângulo. Tamanhos e suportes são variados.
Rua Mútua ainda reúne vídeos e fotografias do coletivo Entre Aspas. “Entre 2006 e 2008, foi o período de ação mais intensa do coletivo. Trabalhamos religiosamente toda semana, durante a noite, em ações que executamos no Centro de Belo Horizonte sem autorização”, conta Desali. O Entre Aspas surgiu do encontro de jovens grafiteiros e pichadores que saíram do projeto Arena da Cultura. “Fizemos trabalhos que interferiram diretamente na arquitetura da cidade”, diz ele.
Além da retrospectiva, os artistas do Entre Aspas vão apresentar uma instalação na AM. Dezessete sacos de terra, com 30 quilos cada um, estão distribuídos pelo espaço. A ideia é que até o fim do período expositivo essa instalação seja retrabalhada. “Um loteamento no meu bairro estava doando terra. Resolvemos trabalhar a ideia dos ‘donos da terra’, questionando o conceito de propriedade”, explica Desali.
A galerista Ângela Martins destaca a “inquietação e o descontentamento em relação ao mundo” que Desali expressa em sua obra. A AM voltou a funcionar desde que houve autorização da Prefeitura de Belo Horizonte. Mas, até então, vinha apresentando trabalhos de seu acervo. Rua Mútua é sua primeira exposição. O investimento no ambiente virtual, com a presença em plataformas nacionais e internacionais, trouxe resultados, de acordo com ela. “As pessoas estão querendo cuidar de suas casas.”
Foi dessa maneira que a Celma Albuquerque, na Savassi, atuou durante o período da quarentena. Reaberta em agosto, também com seu acervo, inaugurou recentemente sua primeira exposição, Natura, com fotografias de Claudia Jaguaribe e pinturas de Mariannita Luzzati. Mas foi uma abertura discreta, sem coquetel ou convite formal, como costumam ser as mostras da galeria.
Natura é uma exposição que a galeria abriu no início do ano quando inaugurou a Casa Albuquerque, em Brasília. “Abrimos a exposição e logo fechamos (por causa da pandemia)”, comenta a galerista Flávia Albuquerque.
“Resolvemos trazê-la para Belo Horizonte, pois ela fala de duas mulheres artistas que tratam da natureza, cada uma à sua maneira. São questões muito presentes neste momento, já que os trabalhos falam ainda da migração da natureza, e acho importante também tocar na questão da abertura e fechamento de fronteiras”, diz ela.
Nos meses em que a galeria ficou fechada, houve um incremento na produção de conteúdo em suas redes sociais. “Em vez de apresentar conteúdo muito comercial, começamos a trabalhar em material da pesquisa dos artistas, vídeos com sua produção, de seu ateliê. Isso nos trouxe outro público e foi o que nos fez ficar de pé”, acrescenta Flávia.
A despeito da reabertura das galerias, ela acredita que não está tudo normal. “Não é e nem é para estar, pois estamos em um momento muito singular. A venda caiu muito, mas através de pequenas ações estamos conseguindo manter nossa empresa saudável.”
Com um diálogo direto com o momento atual, a exposição Mascararte foi aberta nesta semana em ambiente virtual. Na próxima semana, deverá ser reaberta a visitação na Casa J, em Santa Tereza. Com curadoria de Rafael Abreu e Marcos Esteves, a mostra coletiva reúne 40 trabalhos de 41 artistas e designers mineiros que integram o coletivo Libertas. Cada um criou um trabalho artístico em máscaras de proteção individual.
MÁSCARAS
No início da pandemia o designer Rafael Medeiros começou a criar máscaras para sua grife, Bird of Prey. Há três meses, ele entrou em contato com Marcos Esteves para oferecer suas máscaras para os artistas do Libertas. Daí veio a ideia da mostra.“Cada artista recebeu uma máscara branca e a interpretou da maneira que quis. Alguns pintaram, outros interferiram no material. O tema era livre, mas a máscara não poderia ser descaracterizada, tinha que ser enaltecida, diante da importância que ela tem neste momento”, comenta Medeiros. Para a exposição, cada uma delas foi emoldurada.
A Mascararte foi pensada para os ambientes físico e virtual. Além de ações nas redes sociais do coletivo Libertas, foi criado um vídeo, com trilha sonora de Robertinho Brant, que permite um passeio virtual pela mostra.
“A Casa J não é uma galeria como as outras, não tem um grande salão. É uma casa da década de 1970. No momento em que as pessoas estão ficando em casa, levar para lá a exposição remete ao conceito de abrigo que uma casa tem”, comenta Medeiros.
MASCARARTE
Exposição em cartaz na Casa J, Rua Gabro, 11, Santa Teresa. A visitação começa na próxima terça-feira (6) e deve ser agendada pelo número (31) 99344-5621. A mostra virtual está disponível neste endereço .
NATURA – CLAUDIA JAGUARIBE
E MARIANNITA LUZZATI
Exposição em cartaz na Celma Albuquerque Galeria, Rua Antônio de Albuquerque, 885, Savassi. Agendamento para visitação pode ser feito pelo (31) 3227-6494.
RUA MÚTUA – RETROSPECTIVA GRUPO ENTRE ASPAS DESALI
Exposição com abertura neste sábado (3) na AM Galeria de Arte – Rua do Ouro, 136, Serra. Agendamento para visitação pode ser feito pelo (31) 3223-4209 ou contato@amgaleria.com.br.