Foi num Festival de Toronto, três anos atrás, que Frances McDormand assistiu a Domando o destino, da cineasta chinesa radicada no EUA Chloé Zhao. “Quem diabos é Chloé Zhao?”, perguntou. A atriz não é de ficar esperando, faz acontecer. Poucos meses depois, tinha se encontrado com a diretora. O resultado é Nomadland, que foi o mais bem votado pelo público no Festival de Toronto, depois de levar o Leão de Ouro em Veneza. O filme está cotadíssimo para o Oscar, e Frances pode concorrer pela sexta vez – ela ganhou em 1996 por Fargo, e em 2017 por Três anúncios para um crime.
Em Nomadland, Zhao prossegue em seu estilo de colar a realidade à ficção, com personagens saídos da vida e interpretados por atores não profissionais, com a paisagem americana por testemunha. Seu primeiro longa, Songs my brothers taught me (2015), mostrava a relação entre irmãos numa reserva indígena em Dakota do Sul.
Domando o destino contava a história de um caubói da mesma reserva tendo de se reinventar depois de sofrer um acidente grave num rodeio e era estrelado por Brady Jandreau, em quem a trama se baseava. Nomadland é inspirado no livro de não ficção de mesmo nome, de Jessica Bruder, sobre nômades nos Estados Unidos – mais especificamente, baby boomers que vivem em vans e transitam pelo país.
McDormand – a primeira atriz profissional com quem Zhao trabalha junto de David Strathairn – faz a personagem Fern, que cai na estrada depois de perder o marido, o emprego e a cidade onde morava, destruída pela crise de 2008.
Fern interage com nômades de verdade. Ao todo, foram cinco meses de filmagem intercalados de acordo com o clima em cinco estados americanos. “Simplesmente, estávamos presentes nas vidas de outras pessoas, tentando não ser uma força de disrupção”, disse McDormand.
Segundo a diretora, foi fácil convencer Linda May, Swankie e Bob Wells a participar do filme. “No início, ficaram surpresos de querermos contar suas histórias. ‘Não somos ninguém’, diziam. E falamos que eles, sim, é que eram interessantes. E Frances os tratou como se fossem eles as estrelas de cinema. Então, não foi difícil.”
A atriz sentiu que sua imersão no mundo dos nômades estava dando certo quando recebeu um formulário de emprego numa loja Target, no Nebraska. “Cheguei para Chloé e falei que estava funcionando”, contou. Ela também trabalhou em uma fazenda de beterraba e num centro de distribuição da Amazon – fontes de trabalho temporário para quem mora na estrada.
“Não queria discutir a precariedade desses empregos porque, apesar de serem difíceis, ao menos são um trabalho. Então, podemos nos livrar deles, mas, como sociedade, o que vamos oferecer em troca? A questão é muito maior”, disse Chloé Zhao.
McDormand, que interpretou várias mulheres americanas da classe trabalhadora, tem a mesma origem de Fern. “A diferença é que deixei esse mundo para trás aos 17 anos. O que teria sido se eu não tivesse a oportunidade de ir para a faculdade e fazer pós-graduação? E se não tivesse tido a oportunidade de ser parceira de um marido que acreditou em meu potencial e me ajudou a realizar meus sonhos? E se não tivesse conhecido meu filho e a oportunidade de me tornar um ser humano mais completo? E se nunca tivesse visto Domando o destino e conhecido Chloé Zhao? E se tivesse me olhado no espelho e não conseguido me reconhecer como a mulher que está sendo representada em revistas de moda e filmes? São muitos ‘e se’, mas parte do sonho americano que consegui realizar foi trabalhar com pessoas como Chloé Zhao”, afirma a atriz.
CONEXÃO HUMANA
A cineasta diz que não fez o filme para ensinar. “É uma história que todos podem apreciar, não importa em que acreditam ou que partido político apoiam. É sobre conexão humana”, comenta.
Nomadland é um grande passeio pela paisagem humana e física dos Estados Unidos. E Frances McDormand, que teve seu rosto comparado ao de um parque nacional, é a guia perfeita. (Estadão Conteúdo)