A 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que deverá se realizar do próximo dia 22 a 4 de novembro, divulgou sua programação no último sábado (10). Serão exibidos 197 títulos, num evento predominantemente remoto, com algumas sessões presenciais em dois endereços da capital paulista (Belas Artes Drive-in e Cinesesc Drive-in), embora os cinemas já estejam reabrindo na cidade.
Coordenadora da Mostra, Renata de Almeida, explica: "Uma mostra como a nossa não se produz de um momento para o outro. Graças aos patrocinadores, que se mantiveram solidários na crise sanitária (Itaú, CPFL, Sesc e SPCine), conseguimos enfrentar mais este desafio: fazer um evento a distância. A plataforma exclusiva Mostra Play foi criada pelas mesmas empresas (Festival Scope e Shift72), que viabilizaram o Tribeca Festival, o Festival de Toronto e a seção de mercado de Cannes."
Os filmes da programação poderão ser acessados no site mostra.org. A partir daí, serão direcionados às plataformas. Cada ingresso (ou visualização) custará R$ 6. "Esse é o novo normal, e estamos nos adaptando aos novos tempos", diz Renata. "Veneza fez um festival presencial, mas restringiu muito a participação. O documentário brasileiro da seleção, Narciso em férias, nem pôde ter os diretores Renato Terra e Ricardo Calil no tapete vermelho. Tudo pela segurança!"
Criada por Leon Cakoff em 1977, a Mostra atravessou, e venceu, a censura do regime militar, tornando-se vitrine para a revelação de nomes viscerais do cinema de autor em todo o mundo. O compromisso com o traço autoral está mantido. "Faz parte do DNA da Mostra."
Os quase 200 filmes selecionados são produções, ou coproduções de 71 países – 30 só do Brasil. Espelham a diversidade do cinema mundial. Um quarto deles, em torno de 50, é assinado por mulheres e a Mostra realiza nos dias 29/10 e 3/11 o Fórum Nacional Lideranças Femininas no Audiovisual. "Será uma parceria do + Mulheres Lideranças do Audiovisual Brasileiro com a ONU Mulheres Brasil e a Spcine", destaca Renata.
SEM PACOTES E ela anuncia as atrações que logo estarão no site: "Dadas as circunstâncias deste ano, não estamos oferecendo pacotes, como é tradição na Mostra. O público pagará por visualização.” De Berlim, virá o vencedor do Urso de Ouro, Não há mal algum, do iraniano Mohammad Rasoulof. O filme conta quatro histórias que entrelaçam moralidade e pena de morte – prepare-se para o choque no final da primeira.
Rasoulof está confinado no Irã, como Jafar Panahi. Não pôde participar do festival alemão. Talvez tenha sido um dos mais emocionantes momentos da história da Berlinale – ao agradecer o prêmio, em nome do diretor, o produtor destacou a coragem dos atores. A câmera passeou pelo rosto deles. No telão, dava para ver aquelas pessoas, homens e mulheres, chorando.
Também de Berlim, a Mostra apresenta Bem-vindo à Chechênia, de David France, produção dos Estados Unidos que ganhou o Urso de Ouro gay de ativismo e o prêmio da Anistia Internacional. O filme aborda as perseguições à comunidade LGBTQ na Chechênia. Numa entrevista no Kremlin, o líder Ramzan Kadyrov disse que não existem gays no país e o filme mostra o porquê. Estão matando todos.
Por melhores que sejam esses dois filmes, no entanto, não se comparam ao radical Days, de Tsai Ming-liang, que nem o júri oficial nem o da crítica tiveram coragem de premiar. Tsai, o autor da Malásia radicado em Taiwan, e seu muso, Lee Shang-kenbg. Há 30 anos, eles dividem arte e vida. Todo filme de Tsai é sobre Lee. Um filme voluntariamente não legendado. Feito de longos silêncios e sutis movimentos de câmera. A solidão, por dois grandes artistas.
A Mostra exibirá também o diário de confinamento de Ai Weiwei em Wuhan e o curta documentário de Sergei Loznitsa Une nuit à l’Opera, sobre as noites gloriosas da Ópera de Paris. O prêmio Humanidade será atribuído aos funcionários da Cinemateca Brasileira, "por tudo o que eles estão fazendo". A instituição atravessa uma crise tremenda. São dois prêmios Humanidade, e o outro irá para o documentarista Frederick Wiseman, cujo City Hall integra a programação.
O Prêmio Leon Cakoff irá para a produtora Sara Silveira, uma guerreira em defesa do cinema autoral. E ainda haverá o resgate da obra de Fernando Coni Campos, com três filmes que pertencem à história – Viagem ao fim do mundo, Ladrões de cinema e O mágico e o delegado. (Agência Estado)