As multidões apaixonadas, gritando a cada rima, são parte fundamental na cultura do hip-hop, que tem sua máxima efervescência na rua, historicamente. Com a chegada da pandemia do novo coronavírus e as proibições de aglomerações, as batalhas de MCs sofreram um duro baque e ficaram ameaçadas de ter um ano totalmente perdido.
Porém, com a organização coletiva e a força de vontade que também caracterizam o movimento, foi possível se adaptar para seguir em frente, com eventos on-line, para coroar um novo campeão ou campeã nacional, em breve.
Nesta semana, a seletiva mineira escolherá quem representará o estado na grande final do Duelo de MCs Nacional, que desde 2012 se realiza em BH. No total, 1.500 MCs de todo o país participam das seletivas estaduais que definirão os 32 finalistas. Está previsto que eles venham até a capital mineira, em dezembro, para a disputa do título.
Se no ano passado o evento recebeu estimadas 40 mil pessoas em torno do palco montado entre a Praça da Estação e o viaduto Santa Tereza, principal reduto do hip-hop na cidade, neste ano, o público acompanhará a distância, em transmissão ao vivo pela internet.
O modelo virtual já está em prática nas seletivas pelo país, com disputas promovidas nas regiões Norte e Centro-Oeste na última semana. Nesta quarta-feira (21), oito MCs disputam a etapa de seleção em Minas.
ENERGIA
Uma das concorrentes é Eli Ribeiro, de 19 anos, que tenta chegar à final pela primeira vez. “É um momento bastante complicado para a gente que é MC. Estamos acostumados com a rua, com a galera, o calor humano, aquela energia surreal, mas temos que continuar de pé. Assim que a gente aprende, desde o começo, e minha expectativa é manter meu foco, porque, se eu conseguir me expressar melhor que meus oponentes, irei para a final”, afirma.
Acostumados a criar rimas de aproximadamente um minuto, no improviso, no ritmo da batida do DJ, frente a frente com o adversário, os MCs estão tendo sua criatividade ainda mais exigida no cenário da pandemia.
Para Novak, outro inscrito na seletiva mineira, “qualquer coisa diferente daquilo que estamos acostumados é positiva”. E acrescenta: “Nessa nova experiência, temos de rimar sem escutar qual o retorno da plateia. Quando ela está presente, o MC sabe o que está rolando, como ele está performando, dá um up, uma estrutura para continuar na mesma linha. Sem plateia é preciso fazer mais de acordo com aquilo em que você acredita, sem essa reação. Claro que é melhor com plateia, mas é uma experiência válida de se ter”, diz o rapper.
Colombiana, Wad, Martzin, Chris e Drizzy completam a disputa local, que será realizada em um estúdio particular e transmitida ao vivo.
Nesse novo formato, pelo menos o contato visual entre os oponentes presentes foi mantido, mas com o distanciamento físico necessário. Há várias mudanças para quem se dedica à atividade há anos. “A primeira coisa é entender e se colocar à disposição para lidar com uma coisa em que tudo é novo o tempo todo. Aprendemos com um processo em tempo real mesmo, nesse desafio de compartilhar conteúdos na pandemia. Tivemos nossa primeira experiência lá atrás, no Duelo de Telas, com os MCs cada um em sua casa. Tudo muito diferente de fazer um show com público, na rua”, diz Pedro Valentim, o PDR, um dos idealizadores do Duelo de MCs Nacional e integrante do coletivo Família de Rua, que realiza o evento, em cooperação com grupos de outros estados.
“E agora temos esse novo momento do Duelo Nacional, um contexto maior, com desafios maiores, envolvendo quase todos os estados brasileiros, com os artistas se encontrando presencialmente, mas sem público”, pontua.
PDR compara o esforço atual à produção de um programa de TV, já que todas as etapas da seletiva são transmitidas ao vivo, por uma plataforma própria chamada GDC Live. Em seguida, o conteúdo é disponibilizado no canal da Família de Rua no YouTube, onde se encontram outras produções ligadas ao Duelo, como o Flow da Rodada, dedicado a comentar cada etapa.
VIAGENS
“São três eventos com transmissão por semana. Tem duas pessoas na nossa equipe viajando o Brasil todo para fazer essas transmissões, tudo isso no meio da pandemia. Estamos encarando uma loucura, mas está dando certo.”
Diante de tantas adversidades em 2020, PDR afirma que o “compromisso com a cultura que vivemos e que promovemos” foi fundamental. “Conversamos muito, inicialmente pensamos em não fazer, mas abrimos diálogo com parceiros e chegamos à conclusão de que estava tudo tão difícil, todo mundo tão carente de tudo neste momento, que não seria justo se este projeto não ocorresse, ainda que com várias restrições. Por isso topamos encarar o desafio. Precisamos na nossa cultura, e os MCs precisam continuar sonhando”, afirma.
Embora tenha projetos de Lei de Incentivo aprovados em instâncias municipal e estadual, o Família de Rua ainda não conseguiu captar a verba para a realização do Duelo Nacional, segundo PDR. Por isso, foi necessária uma parceria com o grupo argentino Media Moob para viabilizar a realização.
“Tentamos nos virar nesta corda bamba e vamos sobrevivendo”, diz ele. A experiência com as aglomerações, especialmente debaixo do viaduto Santa Tereza, serve para manter essa forte conexão com o público também em ambientes digitais, onde a concorrência é forte.
“Estamos tentando administrar da melhor maneira o público que compartilhava espaços conosco. Mas, neste momento, a disputa é muito grande. Todo mundo na missão de trazer o público para perto do que é produzido. Sentimos que a coisa fica um pouco difusa, com a enorme ofertas de shows, lives, batalhas, etc. Fica complicado, mas o desafio diário é chegar em mais gente, falar com público mais diverso, porque sabemos que, na final, teremos um público grande.”
Apesar das flexibilizações recentes divulgadas para atividades culturais em Belo Horizonte, a organização do Duelo rechaça toda possibilidade de evento com público em 2020. “Zero chance de fazer qualquer coisa no viaduto. Estamos negociando com espaços fechados de BH para realizar a grande final, em dezembro. Sem chance de ser na rua. Não é hora de se aventurar e vamos fazer tudo prezando mais por segurança, conforto e boa transmissão”, afirma Pedro Valentim, dizendo ainda que “volta pra rua só com vacina”. A final nacional, sem público, será disputada em 12 e 13 de dezembro.
Disputa nervosa
Nesta terça-feira (20), o Centro Cultural Lá da Favelinha dá sequência ao concurso municipal de dança Disputa Nervosa. Com seletivas realizadas nas últimas semanas pelas regionais da capital mineira, hoje será a vez dos competidores da Noroeste se apresentarem. O objetivo é premiar o melhor dançarino ou dançarina de funk de BH. Os melhores de cada regional poderão concorrer a uma vaga na final via voto popular, com vídeos publicados no site oficial do Centro Cultural Lá da Favelinha.
Os quatro mais votados vão para a final, que será transmitida ao vivo, com prêmio de R$ 5 mil para quem vencer a disputa. A competição é fruto de projeto aprovado em edital do Fundo Municipal de Cultura. A próxima etapa da seletiva será transmitida no YouTube: www.youtube.com/disputanervosa.
Os quatro mais votados vão para a final, que será transmitida ao vivo, com prêmio de R$ 5 mil para quem vencer a disputa. A competição é fruto de projeto aprovado em edital do Fundo Municipal de Cultura. A próxima etapa da seletiva será transmitida no YouTube: www.youtube.com/disputanervosa.
Seletiva Mineira do Duelo de MCs Nacional
Nesta quarta-feira (21), às 20h, pelo GDC Live. Mais informações em www.duelonacional.com.br.