Os filmes de Sofia Coppola sempre têm pelo menos uma dose de humor. Depois do melodrama psicológico com elementos góticos O estranho que nós amamos (2017), pelo qual ganhou o prêmio de direção em Cannes, ela queria fazer algo mais leve, que fosse contraponto ao estado das coisas no mundo.
On the rocks marca a terceira parceria da cineasta com Bill Murray e a segunda com Rashida Jones, que participou de A very Murray christmas, também dirigido por ela e protagonizada por ele.
A atriz conta que gostou do filme justamente por abordar um assunto tão atual, o conflito entre o modo de pensar de alguém mais jovem com aqueles de outra época. Tarefa ainda mais complicada se há amor envolvido.
“Realmente estava a fim de assistir a algo divertido, pouco desafiador e nada estressante”, diz a cineasta, de 49 anos. Assim nasceu On the rocks, disponível na plataforma Apple TV+. O longa foi inspirado nas comédias sofisticadas, várias delas românticas, que ela costumava assistir desde criança, mas raras hoje em dia. “Queria algo para elevar o espírito, mas que também tratasse de coisas que estamos pensando agora.”
PARCERIA
On the rocks marca a terceira parceria da cineasta com Bill Murray e a segunda com Rashida Jones, que participou de A very Murray christmas, também dirigido por ela e protagonizada por ele.
“Foi muito bom trabalhar novamente com Bill, porque agora o conheço bem, somos amigos”, afirma Sofia. “Não me sinto tão intimidada quanto em Encontros e desencontros, quando estava começando. É sempre empolgante estar com ele”, diz, referindo-se ao longa lançado em 2003.
Rashida Jones faz o papel da nova-iorquina Laura, que desconfia da traição do marido Dean (Marlon Wayans). Não demora muito para ser convencida por seu pai, Felix (Murray), a virar espiã para descobrir a verdade.
A bordo de um carro conversível, como convém a playboys, os dois percorrem as ruas de Nova York – a cidade serve mais como personagem do que cenário. “Sempre é emocionante, vindo do aeroporto, ver o skyline de Nova York novamente”, comenta Sofia.
A aventura serve não apenas como uma sacudida na vida modorrenta da escritora Laura, que está insegura em relação à maternidade, ao casamento e à carreira, mas também como aproximação dela com o pai, que tem visões um pouco antiquadas do mundo, em especial no que tange às mulheres.
Felix é de outra geração, como o próprio pai de Sofia, o cineasta Francis Ford Coppola, nascido em 1939, e o pai de Rashida Jones, o maestro Quincy Jones, de 1933.
CONFLITO
A atriz conta que gostou do filme justamente por abordar um assunto tão atual, o conflito entre o modo de pensar de alguém mais jovem com aqueles de outra época. Tarefa ainda mais complicada se há amor envolvido.
“Há limites para alguém de uma certa geração se transformar”, afirma Rashida Jones. “A cultura está mudando tão rapidamente que é muito difícil de acompanhar. Então, existem pontos sobre os quais dá para ter conversas sinceras e outros não. Laura tem dificuldade de se expressar e dizer ao pai o que pensa de suas teorias e filosofias. Aí ela explode, o que também não é bom. Mas claro que é preciso dizer quando não se concorda com algo essencial para sua identidade.”
O ator Marlon Wayans diz que não dá para ter bronca de pais e tios por terem sido criados de maneira diferente. “Eu os aceito como são, mas, ao mesmo tempo, vou tentar ensinar a eles o máximo que puder.”
Numa cena, Felix diz a Laura que ela deveria começar a pensar como homem. “De vez em quando, ouço conselhos do ponto de vista masculino, mas sempre fui em frente com o que me interessa, de acordo com meu próprio ponto de vista”, diz Sofia Coppola.
Rashida Jones diz admirar a cineasta por defender o que pensa. “Ela sabe quem é enquanto diretora. E esteve à frente do seu tempo. Agora as pessoas estão mais interessadas em vozes diversas, não acredito que ainda estejamos usando essa linguagem quando se trata do equilíbrio entre mulheres e homens e outros aspectos em Hollywood. Sempre achei intrigantes pessoas que continuam sendo quem são e sabem qual é a sua voz num mundo que constantemente tenta nos dizer como um líder deve se comportar. Na verdade, você apenas precisa ser verdadeiro consigo mesmo. Sofia é.”
Discreta, Sofia Coppola jamais revelaria por completo o quanto se inspirou no pai para escrever o roteiro. Mas Francis Ford também cantava para ela, assim como Felix. E é um homem de personalidade intensa. A diretora, que se define como a “filhinha do papai”, continua trocando informações com ele.
“Meu pai permanece super entusiasmado com o cinema, assiste a filmes o tempo inteiro. É sempre divertido conversar com ele e saber o que anda pensando”, revela a diretora.
Chefão
Francis Ford não dirige desde 2016. Seus últimos trabalhos foram longas independentes e modestos, bem distantes de grandes produções como O poderoso chefão e Apocalipse now. Em breve, ele vai lançar a nova versão do polêmico O poderoso chefão 3, que tem Sofia como atriz.
Para os Coppola, cinema e família sempre andaram juntos. A mãe de Sofia, Eleanor, é cineasta, assim como a sobrinha Gia. Seu irmão Roman é roteirista e produtor. Os primos, Nicolas Cage e Jason Schwartzman, são atores, bem como a tia Talia Shire.
No começo da pandemia, quando as coisas começaram a ficar dramáticas em Nova York, o maior epicentro da doença nos Estados Unidos, ela correu para a propriedade do pai, no Norte da Califórnia. Lá, Francis Ford chegou a abrigar 22 parentes e promovia sessões de cinema, com títulos escolhidos exclusivamente por ele.
Enquanto o mundo ainda lida com a COVID-19, Sofia sonha que On the rocks ofereça algum alento. “Espero que as pessoas possam assistir no conforto de seu lar e apreciem. O filme é sobre família e uma cidade que amamos, especialmente agora, que não podemos viajar. Minha esperança é de que as pessoas gostem”, conclui.
ON THE ROCKS
. Direção: Sofia Coppola
. Com Bill Murray, Rashida Jones e Marlon Wayans
. 98min.
. Disponível na Apple TV