Depois de sete meses de espera, as salas de cinema de Belo Horizonte iniciaram a volta gradual ao funcionamento, no último dia 31, com 11 filmes em cartaz, entre estreias e continuações. Nenhum deles era brasileiro. A programação incluiu, por exemplo, o argentino O roubo do século, o francês A maldição do espelho, e o israelense Tel-Aviv em chamas, além de produções norte-americanas, como o blockbuster Tenet.
Na última quinta-feira (6), dos cinco filmes que chegaram ao circuito de cinemas na capital mineira, apenas um é brasileiro, o documentário Sem descanso, de Bernard Attal, sobre os bastidores da investigação do desaparecimento do jovem Geovane Mascarenhas, conduzida pela própria família, depois de ele ser preso por policiais militares em Salvador.
Em outras capitais brasileiras, entraram em cartaz o drama Verlust, do paulista Esmir Filho, com Andrea Beltrão e Marina Lima; O barco, do cearense Petrus Cariry; e Fico te devendo uma carta sobre o Brasil, primeiro longa-metragem da carioca Carol Benjamin, com trama ambientada na ditadura militar (1964-1985) e que circulou por festivais nacionais e estrangeiros.
Embora seja tímida a participação do filme brasileiro na reabertura das salas no país, o setor vem se mobilizando para superar o impacto da pandemia na atividade cinematográfica e há até certo otimismo em relação às perspectivas da retomada.
“Tudo isso que aconteceu na pandemia se reflete na nossa lógica (de lançamentos), com muitas mudanças de datas. Porém, há um espaço que se abre nessa lacuna que percebemos em relação aos blockbusters estrangeiros e nela podemos atuar com conteúdos brasileiros”, afirma Jorge Assumpção, diretor de distribuição e marketing da Paris Filmes e líder do time de conteúdos nacionais do movimento #JuntosPeloCinema, composto por distribuidoras, produtoras e empresas exibidoras do Brasil para fortalecer a retomada do cinema durante a pandemia da COVID-19.
"Alguns (distribuidores) optam por lançar os filmes apenas no Rio de Janeiro e em São Paulo, quando são considerados filmes de nicho, que tenham mais a ver com uma região específica. Já os filmes mais comerciais, esses, sim, entram de Norte a Sul"
Lucio Otoni, gerente-geral da cadeia de exibição Cineart (MG) e diretor do Sindicato das Empresas Exibidoras de Belo Horizonte, Betim e Contagem
Segundo Assumpção, apesar da gravidade dos reflexos da pandemia na sociedade em geral e no cinema em particular, a crise sanitária serviu para “reforçar que o cinema jamais vai acabar”. Ele diz estar satisfeito com os números de bilheteria das cidades que retomaram a atividade e aposta num destaque para o filme nacional ainda nessa fase.
PARCEIRO
“Há uma agenda positiva para não só ajudar o exibidor, que é nosso principal parceiro, mas para o reencontro da população com nossa cultura, com nossa língua. Levando em consideração o que ocorreu em outros países asiáticos, como a China, e com a França, onde o conteúdo doméstico teve uma performance muito boa, até pela falta de produções internacionais, é uma realidade que pode acontecer aqui”, diz.
Segundo o distribuidor, há ao menos 50 filmes brasileiros previstos para estrear nos cinemas nos próximos seis meses. A lista inclui títulos aguardados, como o sucesso infantil D.P.A. 3 – Uma aventura no fim do mundo, que deve ser lançado em janeiro.
Outras produções cercadas de expectativas constam na relação, mas ainda sem data definida. É o caso do lançamento duplo A menina que matou os pais / O menino que matou meus pais, em torno do assassinato do casal Richtofen (2002). O filme duplo (com perspectivas distintas sobre o crime) estrearia em 12 março passado, precisamente quando a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil, e teve seu lançamento suspenso.
Marighella, primeiro longa-metragem dirigido por Wagner Moura, cuja estreia já sofreu adiamentos não relacionados à pandemia, agora ganhou uma nova data para chegar aos cinemas: 14 de abril de 2021. No próximo dia 3 de dezembro deve ser a vez de M-8: Quando a morte socorre a vida, com temática ligada à luta por igualdade racial.
Jorge Assumpção afirma que, mesmo com os títulos à disposição, as estreias dependem de diversas variáveis. “Há um esforço para manter a janela (de exibição do cinema, que costuma ser a ponta de lança de um título). Mas muitas questões determinam a entrada ou não de um filme no cinema. Entendemos que M-8: Quando a morte socorre a vida (distribuído pela Paris Filmes) trata de um assunto que é urgente, por isso está para entrar agora”, exemplifica. Já a comédia A sogra perfeita chegará às salas na última semana do ano.
O distribuidor comenta que, “com esse trabalho em conjunto no #JuntosPeloCinema, envolvendo 14 empresas, chegamos também a entendimentos para um não concorrer com outro. Existe um diálogo entre as distribuidoras para não haver conflito de interesses neste momento, com filmes do mesmo gênero na mesma semana, por exemplo, mas respeitando as estratégias e características de cada uma”.
Lucio Otoni, gerente-geral da cadeia de exibição Cineart (MG) e diretor do Sindicato das Empresas Exibidoras de Belo Horizonte, Betim e Contagem, afirma que, por vezes, os filmes deixam de estrear na Região Metropolitana de BH “em função de estratégia de distribuidor”.
Segundo ele, “alguns optam por lançar os filmes apenas no Rio de Janeiro e em São Paulo, quando são considerados filmes de nicho, que tenham mais a ver com uma região específica. Já os filmes mais comerciais, esses, sim, entram de Norte a Sul”.
BILHETERIA
O executivo da Cineart diz que nesta semana deve estrear em BH Boca de Ouro, longa de Daniel Filho baseado na peça de Nelson Rodrigues, com Marcos Palmeira, Lorena Comparato e Malu Mader no elenco. Lembrando que a comédia nacional Minha mãe é uma peça 3 foi a terceira maior bilheteria do país no ano passado, Otoni diz que “o cinema nacional sempre teve espaço privilegiado e continuará tendo”.
Caio Silva, diretor da Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex (Abraplex), diz acreditar que os filmes nacionais possam ocupar um lugar importante, “tornando-se a grande vedete” dessa fase de reabertura.
"O exibidor não trabalha com expectativa. Trabalha com o que há pronto. Qual a estratégia de divulgação? Trabalhamos com fatos e informações objetivas disponíveis no mercado. Então, se houver bons filmes, com boa verba de distribuição, eles entrarão em cartaz. O negócio do exibidor é ter gente sentada na sala, independentemente se é (para ver um filme) nacional ou estrangeiro"
Caio Silva, diretor da Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex (Abraplex)
No entanto, ele lamenta que algumas estreias tenham acontecido diretamente no streaming e afirma: “O exibidor não trabalha com expectativa. Trabalha com o que há pronto. Qual a estratégia de divulgação? Trabalhamos com fatos e informações objetivas disponíveis no mercado. Então, se houver bons filmes, com boa verba de distribuição, eles entrarão em cartaz. O negócio do exibidor é ter gente sentada na sala, independentemente se é (para ver um filme) nacional ou estrangeiro”.
De acordo com a cota de tela (mecanismo de reserva de mercado para fortalecer a produção nacional) fixada em decreto presidencial de dezembro de 2019 para valer em 2020, exibidores com apenas uma sala teriam que passar filmes brasileiros por, no mínimo, 27 dias em sua programação.
O número é escalonado, com o máximo de 57 dias no ano para empresas que tenham a partir de 201 salas. O mecanismo também estipula variação nos títulos exibidos, sendo pelo menos três para quem tem uma sala, e 24 para quem tem mais de 15.
O diretor da Abraplex acredita que a cota de tela não valerá para este ano, pois “não tem como ser medida, inclusive porque não tivemos operação”. Lucio Otoni tem a mesma opinião e diz que aguarda para saber como será a aplicação da regra.