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Estado de Minas MÚSICA

Edi Rock lança o disco-manifesto 'Origens parte 2'

Em seu terceiro álbum solo, rapper do Racionais denuncia o racismo, protesta contra a violência policial e defende a liberdade. Thiaguinho, MV Bill e Jorge Du Peixe são parceiros dele nesta luta


08/11/2020 04:00 - atualizado 08/11/2020 11:03

(foto: Gustavo Luizon/divulgação)
(foto: Gustavo Luizon/divulgação)

Mês da Consciência Negra, este novembro é de luta. E a trincheira de Edi Rock, a voz de trovão do Racionais MCs, é o álbum solo Origens parte 2: Ontem hoje e amanhã, lançado há poucas semanas. A sexta faixa, Vidas negras importam, é um manifesto contundente contra o racismo e a violência policial. Lançado em junho, o clipe exibe os rostos de João Pedro Matos, de 14 anos, e Agatha Félix, de 8, entre outras vítimas da barbárie brasileira. Lá também estão Marielle Franco e George Floyd, símbolos da luta que levou multidões às ruas de todo o mundo em 2020. 

"Antes, era a nossa palavra contra a polícia ou contra o racista; agora é a imagem, a prova."

Edi Rock, cantor e compositor



Aos 52 anos, Edi Rock sabe do que está falando. Há três décadas o Racionais – o grupo de rap mais importante do país – vem denunciando o racismo estrutural. Sempre disparou contra a “democracia racial” brasileira. Quando toma emprestado o slogan do movimento Black Lives Matter em suas rimas, Edi mostra que a Minneapolis do americano George Floyd e o Complexo do Salgueiro, onde o garoto João Pedro morreu com um tiro de fuzil nas costas, fazem parte do mesmo negro drama, título do hit do Racionais.

O mundo está mudando, avisa Edi, mas sem ilusões. “Há 30 anos, quando o Racionais falava de racismo, parecia apenas música”, comenta. Com efeito. O tema passava longe das manchetes. Várias vezes o grupo foi acusado de fazer apologia da violência ao denunciar, com suas letras contundentes, a desigualdade no Brasil, tomando a defesa dos pretos, favelados e jovens condenados ao presídio pela exclusão social.

“Daqueles tempos para cá, aumentaram os problemas, mas a informação se democratizou, as ideias se espalharam”, diz Edi. Nesta era do celular, “todo mundo está com a câmera na mão”, lembra. “Antes, era a nossa palavra contra a polícia ou contra o racista; agora é a imagem, a prova.”

Mas o protesto globalizado e a potente campanha nas redes sociais, impulsionados pelo movimento Black Lives Matter, serão mesmo capazes de conscientizar a sociedade, rompendo a histórica indiferença do Brasil em relação aos negros?

“Não sei se há essa consciência. O que sei é que agora temos a tecnologia, a arma para nos defender”, diz o rapper. Porém, ele observa: “Todos somos rastreados”. E lembra que as redes sociais tanto estimulam a autoconsciência quanto o mundo falso da felicidade- ostentação.

Um passo importante é discutir o racismo e a desigualdade desde as salas de aula, defende Edi Rock, saudando o engajamento dos jovens nesta luta. “A nova geração tem mais consciência, tem orgulho de ser negra e de se autoafirmar. Conhece os seus direitos.”

Houve uma “virada” de mentalidade entre os séculos 20 e 21, acredita ele. O rap foi uma espécie de instrumento pedagógico nesse processo, e Edi Rock vê vingar a semente que sua banda plantou. “O Racionais é um pilar importante da música brasileira, levou para o espaço da cultura a pessoa comum, o negro da periferia. Somos nós, como negros, falando com propriedade”, observa.

"Não adianta falar só para a sua bolha, quero falar para outras tribos também"

Edi Rock, cantor e compositor



CONFORTO 


A vida é desafio, canta o Racionais. E o cinquentão Edi Rock se arrisca na carreira solo, lançando discos longe da zona de conforto que a banda consagrada lhe oferece. No primeiro álbum solo, Contra nós ninguém será (2013), ele dialogou com samba, soul e R&B, entre outros gêneros musicais. Emplacou o hit That's my way em parceria com Seu Jorge, canção sobre a esperança que inspirou remix do badalado DJ Alok.

No segundo disco solo, Origens (2019), teve até sofrência, a romântica Uq ce vai fazer – dobradinha de Edi com a sertaneja Lauana Prado –, além do flerte do MC do Racionais com o funk de MC Pedrinho, em De onde eu venho.

Origens parte 2: Ontem hoje e amanhã é uma espécie de “volta às origens” do rap, com a participação de veteranos como MV Bill e Sombra (do SNJ), jovens talentos do trap (Flacko) e do hip-hop (Lourena e Morcego), além de produtores respeitados (DJs Cia e Will).

Muita gente vai se surpreender com a dobradinha de Edi com o pagodeiro Thiaguinho (na alto-astral Um novo amanhã), cujo clipe vai sair no final do ano. Outra novidade é a parceria do rapper com o pernambucano Jorge Du Peixe, pioneiro do manguebeat e vocalista da Nação Zumbi.

O disco-manifesto contra o racismo é também um tributo à liberdade, haja vista a diversidade do universo sonoro dos parceiros de Edi. O rap dele dialoga com gospel (Só Deus, com Daniel Quirino), com o R&B romântico (Vai chover) e com o afrobeat dos nigerianos Meaku e Fredy Muks, radicados em Los Angeles.

Foi uma “guerra” produzir esse álbum durante a pandemia, conta Edi Rock. No início do confinamento social, ele trocou São Paulo por Ubatuba. “Saí do apartamento, não quis ficar recluso, neurótico. Aquilo seria igual cadeia, não sou presidiário. Procurei um lugar com mais espaço para arejar a mente”, explica.

Ubatuba o conecta com suas raízes. “Aqui, a gente respira os ancestrais. É uma região de quilombos, aldeias indígenas, tem cachoeira, mar e serra”, conta Edi compôs até uma canção para Iemanjá.

“Estou de quarentena. Este é um momento de luta, de força, e não de derrota”, resume, definindo seu novo álbum como “diário”, “uma terapia”. Ele retoma o rap das antigas que o projetou, “mas com batidas modernas, de olho no amanhã”. E é só elogios para os jovens parceiros. “Os moleques estão cantando bem. As minas também. Todos ali estudam, pesquisam, se dedicam. Ninguém está falando mimimi.”

Feliz com o encontro com o carioca MV Bill em Dinheiro, ele pretende convidar para seu próximo disco solo Gog e Thaíde, pioneiros do rap de Brasília e de São Paulo.

Ao comentar o encontro de gerações de Origens 2, Edi lembra que o rap sempre se reinventa. Volta lá atrás, bebe na fonte, resgata coisas esquecidas do passado “e vai para a frente outra vez”, diz. O Brasil, aliás, é um celeiro para essas reinvenções, com farta diversidade musical.

O próprio Edi é exemplo disso: destaque do hip-hop, foi percussionista de grupo de samba, ouviu de tudo um pouco em casa graças ao pai e à mãe, carrega o rock em seu próprio nome.

“Tento disseminar a minha mensagem por todos os espaços, dialogar. Não adianta falar só para a sua bolha, quero falar para outras tribos também”, diz. Isso vale para a música e para a vida. Nos tempos em que o Racionais evitava a grande mídia, ele defendia suas ideias em entrevistas, aceitava convites para falar em programas da TV Globo.

MACHISMO 


Edi adverte: a intolerância – não apenas racial – está acabando com o planeta. E chama a atenção para a violência contra as mulheres e o desprezo pela natureza.  A maturidade é aliada, e ele não se furta a fazer mea-culpa – no palco – em relação ao próprio machismo.

Autor de letras que se referem pejorativamente às mulheres, como as de Estilo cachorro e Qual mentira vou acreditar, escritas quando ele tinha 20 e poucos anos, faz questão de apresentá-las na íntegra em shows. Canta as rimas polêmicas, interrompe a banda e explica à plateia como é errado “capotar a mina no soco” e se gabar de ir para a cama com Ângela, a “matinê” de 16 anos. “Digo que aquilo não pode soar como apologia. Tá errado. Mostro a forma machista como o homem pensava no século 20.”

Voltar ao palco, aliás, é algo distante para Edi Rock, pois a pandemia inviabilizou eventos como a turnê dos 30 anos do Racionais. A banda não aderiu à onda das lives, em respeito ao protocolo do confinamento, e recusou propostas de shows. Cantar para carros em drive-in, definitivamente, não está nos planos.

“Show do Racionais tem de ter calor, plateia cantando”, explica, afirmando que a banda é avessa ao formato “de plástico”. E brinca: “Já basta a máscara”. Porém, o “Edi Rock solo” já se arriscou nas lives, tendo Seu Jorge como convidado. “Não ficou como eu queria”, admite.

Novos clipes de Origens 2 já rolaram, como a dobradinha com Thiaguinho, com lançamento em dezembro. A dupla se encontrou, fez testes para COVID-19, a equipe técnica seguiu à risca os protocolos sanitários durante a gravação. Os dois cantaram sem máscaras, porque, segundo Edi, “de máscara já basta a capa do disco”.

Aliás, a parceria deles, Um novo amanhã, tem tudo a ver com estes tempos difíceis. Diz assim: “Rajada de orgulho, de coragem e sacrifício/ O irmão nasceu guerreiro, livre, forte, lutador/ Com anticorpos pra racista/ Avalista do amor”.

ORIGENS PARTE 2: ONTEM HOJE AMANHÃ

Disco solo de Edi Rock
Som Livre
15 faixas
Disponível nas plataformas digitais


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