Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Luiz Caldas defende 'dar a cara a tapa' e evitar releituras


Muito se engana quem pensa que, por ser considerado o pai da axé music, Luiz Caldas se atenha somente a esse gênero musical. Com 57 anos e décadas de carreira, ele é um dos maiores instrumentistas baianos, ao lado de Armandinho e Pepeu Gomes. Quem quiser ter a certeza disso pode consultar a sua obra ou então conferir o recém-lançado álbum instrumental Mínima.





No álbum, lançado nas plataformas digitais, Caldas conta com a participação de outros 25 músicos consagrados, entre eles o amigo, parceiro e saxofonista Leo Gandelman, que fez parte da gravação de Reencontro, faixa que abre o disco.

“Leo é um amigo querido de muitos anos, um músico mundialmente conhecido, um cara que todo mundo sabe da preciosidade musical dele. E ele já havia gravado comigo, no começo da minha carreira. Nós nos reencontramos agora, por isso a faixa que ele toca comigo se chama Reencontro”, diz Caldas.

Mínina, ele explica, é uma referência à nota musical que representa uma pausa. “Essa é a 105ª produção do meu projeto de lançamento mensal de discos, que começou há oito anos. Por ele já passaram Seu Jorge, Sandra de Sá, Zeca Baleiro, Gilberto Gil, Fernanda Takai, José Renato, Saulo e Jorge Vercillo, entre tantos outros.”





Além de Gandelman, estão no novo trabalho André Abujamra, Luciano Calazans, Gigi Cerqueira, Yacoce Simões, Kuki Stolarski, Tito Oliveira e o filho Caio (bateria), Márcio e Vitor Brasil, Levi Pereira, Diego Freitas, Kainã do Jêje e Cítnes Dias, Luã Almeida, Luciano PP, André Magalhães, Daniel Novaes, Léo Brasileiro, Cleriston Cavalcanti, Lucas, Beto Martins. “Um time de primeira, pra ninguém botar defeito”, diz Caldas. Uma das canções, Mister Brown, a sexta faixa do disco, é dedicada ao amigo e parceiro Carlinhos Brown.

O fato de não se ater a um só ritmo é o que torna o disco interessante, na opinião de seu autor. “Com isso pode-se abrir o leque e trazer as pessoas. Quando se pega uma música instrumental e coloca algo mais popular, como um ritmo dançante, você traz as pessoas que não compreendem muito de música para ouvir. O instrumental é um gênero que não é muito valorizado no Brasil, infelizmente.”



INSPIRAÇÃO

Todas as músicas foram compostas para esse disco. “Não perco mais tempo, pelo menos essa é a minha visão e a minha forma de trabalhar com a música. Há tempos que não trabalho com inspiração. Já sou inspirado de natureza, já nasci e me considero assim. Se preciso de rock, faço na hora, sento e gravo. Se preciso de reggae, pego o violão e faço um.”

Ele conta que tem várias ferramentas e que faz questão de usá-las. “Por exemplo, o samba. Tem samba-enredo, samba de breque, samba-canção, samba rock. Então, eu me pergunto: ‘Qual o samba que vou compor?’. Tenho que decidir primeiro isso, antes de pegar o instrumento e escrever. Aí, pronto, já sei que é um samba-canção. Mas samba-canção pode ser no estilo que Nelson Gonçalves gravava ou mais clássico, como Paulinho da Viola. Vou por qual estilo? Aí defino: Paulinho da Viola. Pronto, já tenho o caminho definido, ou seja, vou afunilando tudo que preciso para a obra nascer.”





Uma vez afunilado o caminho, ele então compõe. “É como se fosse compor para o fulano de tal cantar, como um compositor trabalhando para a carreira de alguém. Depois, é só tirar esse fulano de tal e cantar no lugar dele e aí fica tudo em casa. Essa é a minha receita de compor.”

Para ele, a emoção de reunir os amigos foi algo importante. “Isso porque são ótimos músicos. Muitos são diretores musicais e amigos meus há muito tempo. Estou muito feliz, porque esse projeto me mantém mental e musicalmente alegre e saudável. Cada dia ga-    nho novos parceiros para fazer o que mais gosto: música.”

Ainda sobre o disco de inéditas, ele diz: “E como é meu, da minha carreira, não se trata do intérprete Luiz Caldas. Este entra para cantar as canções de Luiz e seus parceiros, vamos assim dizer. Todas as obras que esse projeto tem, desde o seu início, são autorais. Até brinco que uma palavra proibida no estúdio é regravação. Isso porque acho que quando você regrava algo é porque gosta bastante daquela música ou porque ela significa algo pra você, ou seja, o original é intocável.”





REGRAVAÇÕES

Mas o cantor, compositor e instrumentista não é necessariamente contra as regravações. “Na minha carreira, não sou muito a favor de releituras. Acho que é você ficar regurgitando. É tão interessante dar a cara a tapa. Acho que o artista tem essa obrigação de se despir quando se trata de arte. Ele tem que se arriscar, pois é assim que se acerta. E quando você acerta, ficar rodeando aquilo que você acertou, acho que estagna a sua carreira de certa forma.”

Embora já tocasse, quando sua carreira começou a ganhar projeção, Caldas não se mostrou na televisão como instrumentista. “Tocava igual toco hoje, porque só fazia isso, eram 24 horas com instrumentos na mão. Mas, naquela época, precisava passar uma mensagem para onde eu estava indo naquele momento”.

Por isso ele evitou aparecer em programas, com o do Chacrinha, somente como um guitarrista baiano. “Já tinha Pepeu Gomes e Armandinho e tantos outros mestres com uma história já contada, como Os Novos Baianos e A Cor do Som. Eu poderia aparecer pelo fato da minha qualidade musical, mas iria ficar em um momento secundário, não poderia passar a mensagem que queria, que era a alegria do carnaval, que era a transformação que eu estava fazendo naquele momento e que depois vieram a chamar de axé music.”





Ele vê assim o surgimento do gênero:  “Antes de mim, não existia a axé music, era somente o carnaval com o frevo, que é uma cultura de Pernambuco. Havia também o galope, que a Bahia usava e que também é da cultura paraibana, ou seja, de baiano só tínhamos mesmo as duas invenções, que eram o pau elétrico (guitarra baiana) e o trio elétrico.”

Ainda sobre sua influência no cenário da música baiana, Caldas afirma: “Pode-se dizer que, certamente, dei uma música genuinamente baiana para o carnaval da Bahia. E que esse movimento também saiu do carnaval baiano para outros estados e até mesmo o exterior. Para se ter uma ideia, em 1989, toquei com Bob Dylan no Festival de Jazz de Montreux.”

Ele se sente responsável também por ter feito a ponte no carnaval do frevo à pista de dança. “Depois que entrei para o carnaval da Bahia, as pessoas começaram a dançar o carnaval e a pular menos. Então, isso é muito importante. E fiz isso para proteger, de certa forma, a minha caminhada. E foi bom porque guardei essa surpresa. As pessoas se surpreendem às vezes, dizendo: ‘Luiz tocando? Pensei que fosse só aquela coisa de axé-music’.”





No início de carreira, Caldas chegou a fazer muito baile, segundo diz. “De certa forma, isso serviu de ferramenta para me colocar na axé music. Isso porque a axé music é um movimento musical híbrido, não é uma coisa estática, como é o samba. O samba é samba, o rock é rock, nas suas variantes. Mas a axé music pode ser qualquer coisa, porque é uma forma de se fazer música para dançar.”

Caldas discorda da classificação da  axé music como um gênero musical. “A meu ver, é um movimento, como foi a Tropicália, e teve a sua importância muito grande junto à política, na época. Cabia isso, você querer cobrar da axé music uma posição política, num momento em que estávamos saindo da ditadura.”

Na opinião do músico, falta hoje na cultura brasileira uma passagem de bastão. “Por exemplo, um cantor magnífico, como Emílio Santiago, que Deus o tenha, é claro, passar o bastão para um cantor mais novo, que vai levar a música sem aquela agonia de querer ficar famoso e rico. Isso atrapalha a carreira de muita gente. Acho que as gerações estão se perdendo musicalmente, porque a pessoa ouvir uma música e dizer que é coisa de velho é a maior ignorância que pode existir. Cultura não envelhece. Devemos mirar-nos no que é bom e ver também no que é ruim para nos afastar.”

MÍNIMA
• Luiz Caldas
• Independente
• 10 faixas
• Disponível nas plataformas digitais





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