Desde que RuPaul's drag race se tornou um fenômeno mundial de audiência, especula-se sobre uma versão brasileira para o programa norte-americano. Afinal, o Brasil é um dos países com maior número de fãs do reality show, cuja premissa é apresentar a cultura e o universo drag por meio de uma competição pelo título de Drag Queen Superstar.
Enquanto o formato não desembarca por aqui, a Netflix investe num programa original com premissa semelhante, apresentado pelas drag queens brasileiras Alexia Twister e Gloria Groove. Em cada episódio de Nasce uma rainha, que estreia nesta quarta-feira (11) na plataforma de streaming, as apresentadoras ajudam as participantes a ''liberar'' suas drag queens ou drag kings interiores.
Alexia, nome artístico de Matheus Moreira de Miranda, é uma das figuras mais conhecidas na cena LGBT de São Paulo. Além de drag, também é transformista, ator, dançarino e mantém um canal no YouTube com 2,7 mil inscritos.
Gloria, alter ego de Daniel Garcia, também tem experiência nas artes cênicas, mas é mais conhecida pelo papel de cantora. Ela já lançou o disco O proceder (2017) e o EP Alegoria (2019), além do single Bumbum de ouro, seu maior sucesso. Antes disso, Daniel participou da última formação do Balão Mágico, em 2002, e fez parte do elenco da novela Bicho do mato (2006-2007), da Record.
Juntas, elas desempenham o papel de madrinhas dos participantes. Alexia Twister é responsável pelo que diz respeito à performance e apresentação, como dançar, desfilar e se portar como uma verdadeira drag queen. Gloria Groove, por sua vez, faz a mediação entre a nova persona do aspirante e seus familiares e amigos que ainda não a aceitaram.
ACEITAÇÃO
''A Alexia é uma artista superatualizada. Ela cumpre o papel de compreender a drag que os participantes querem ser e transformá-la em realidade, com as particularidades que a pessoa já traz para nós. Ser uma drag não é somente se vestir ou colocar uma maquiagem, é também sobre atitude, aceitação e alegria'', afirma Gloria em entrevista ao Estado de Minas, concedida em conjunto com sua colega de programa.
''Gloria tem menos tempo de carreira, mas isso não muda em nada. Durante as gravações, a nossa troca foi gigantesca, e eu aprendi muito com ela, tudo aquilo que ela se dispôs a me ensinar. Ela carrega uma generosidade e um carinho que foram muito importantes para o que ela representa no programa'', diz Alexia.
Na produção, as duas representam as chamadas ''drag mothers'', ou seja, queens que adotam outras artistas como filhas e as ensinam todos os procedimentos para ser uma drag queen – e, acredite, são muitos os procedimentos. Como pertencem a gerações distintas, as duas tiveram experiências diferentes quando começaram a se montar.
''Por falta de uma (drag mother), eu tive três'', conta Alexia Twister. ''Sou de uma geração anterior ao YouTube, então não tinha muito como ser autodidata. Além de nos ensinar muitas coisas, das básicas às mais complexas, essas pessoas nos acolhem, dão carinho, dão ouvidos às nossas histórias. Todo o processo de se tornar uma drag queen também passa por uma viagem interna de autoaceitação. E ter alguém que nos ama para acompanhar esse processo torna a coisa mais fácil.''
Gloria Groove reconhece essa importância e conta que começou a se montar sozinha, no banheiro de casa, pegando dicas na internet. Aos 25 anos, ela se espanta quando vê drag queens mais jovens e tão bem montadas.
''A figura maternal é uma relação de respeito, de olhar para ela e reconhecer o espaço que ela representa. Ter mães e madrinhas que galgaram um espaço para eu estar onde estou hoje é o maior legado que elas poderiam ter deixado para mim.''
FAMÍLIA
As duas reconhecem o papel da família no processo de aceitação, tanto que esse é um dos segmentos mais importantes do programa. No primeiro episódio, um professor de inglês se transforma em Paola Di Verona, mas o principal desafio é fazer com que uma das amigas do participante o aceite como ele é.
''Esse é um assunto muito sério. Quando me deram essa incumbência, eu a encarei como uma grande responsabilidade, porque, às vezes, há uma resistência muito grande por parte de quem não quer aceitar. Passada a primeira vez, fui entendendo que isso era mais sobre o afilhado do que sobre o próprio impasse. Minha função era promover essa ponte de amor e desatar esse nó. Nem sempre foi fácil, foi desafiador, mas muito gratificante'', comenta Gloria.
''A gente tem visto cada vez mais drags em mais espaços. Estamos falando de uma arte milenar que já foi muito marginalizada e hoje estamos num momento em que é possível fazer um programa como um Nasce uma rainha. É um processo, mas que ganha capítulos com finais felizes com o passar dos anos'', afirma.
Para Alexia, o que era muito restrito, atualmente, ocupa um espaço de destaque. ''Hoje, as drag queens não estão só na comunidade LGBT. Elas também estão na TV, no domingo, para toda a família brasileira ver. As pessoas estão entendendo o nosso trabalho como arte. Eu me vejo na Gloria e nessas drags mais jovens e dá uma sensação de que valeu a pena. E valeu mesmo'', comemora.
Junto com o lançamento do reality, Gloria Groove prepara a chegada de seu novo projeto musical, o EP Affair, composto por cinco faixas e baseado no R&B. Na última segunda-feira (9), ela lançou o terceiro single, Sinal, que sucede ao lançamento das músicas Vício e A tua voz.
A canção foi escrita por Gloria durante a quarentena do novo coronavírus. O trabalho também contou com a parceria de Pablo Bispo, Ruxell e Sergio Santos, o trio conhecido como Dogz.
''Sinal realmente tem um lugar especial em meu coração. Além de ser uma das músicas que escrevi em meio à solidão da quarentena, é também a minha contribuição como diretor de um dos videoclipes da era Affair'', diz a cantora.
Ela explica que a música faz uma reflexão sobre sentimentos que estão presos a um relacionamento do passado. ''A canção retrata aquele momento da paixão em que você se vê sozinho e ainda preso ao sentimento, como se estivesse eternamente esperando por alguém.''
Ao dirigir o clipe, Gloria deu especial atenção à estética da produção. ''Sou apaixonada pela paleta de cores que escolhi para este vídeo, na família do nude, pois a música para mim soa como uma poesia que está despindo a alma'', explica.
A tua voz e Sinal também ganharam clipes, dirigidos por João Monteiro e Flávia Lima, respectivamente. Segundo a cantora, a ideia é que as cinco músicas do trabalho tenham uma tradução audiovisual.
Brasil terá versão de Queer eye
Apesar da expectativa em torno da versão nacional de RuPaul's drag race, os fãs brasileiros terão que esperar mais um pouco para ver isso acontecer. Em 2017, a Endemol adquiriu os direitos para adaptar o formato no Brasil, mas a produtora desistiu de levar o reality show adiante.
O momento político do país teria influenciado a decisão, segundo informações do site UOL. Diante da polarização em torno de pautas que envolvem a comunidade LGBT, há dificuldade de emplacar o projeto em emissoras brasileiras.
Depois de ter sua versão oficial, All stars, com celebridades nos Estados Unidos, Drag race ganhou edições na Inglaterra, no Canadá e na Holanda. No ano que vem, Austrália e França devem estrear suas primeiras temporadas do reality.
Na versão holandesa do programa, uma brasileira fez parte do elenco. Miss Abby OMG participou de todos os episódios e chegou à grande final. Atualmente, a edição estadunidense do programa tem 12 temporadas disponíveis na Netflix. A 13ª deve ser lançada em breve.
A plataforma de streaming anunciou que está gravando uma versão brasileira de Queer eye e divulgou os nomes dos integrantes do elenco. Os ''fab five'', como são conhecidos os protagonistas da versão americana, serão: Fred Nicácio (bem-estar), Guto Requena (design), Luca Scarpelli (cultura), Rica Benozzati (estilo) e Yohan Nicolas (beleza).
Queer eye estreou em 2018, com Antoni Porowski, Bobby Berk, Jonathan van Ness, Karamo Brown e Tan France. O reality show mostra homens gays mostrando ao participante da vez formas de melhorar diversos aspectos de sua vida.
A produção foi inspirada em Queer eye for the straight guy, no ar entre 2003 e 2007 pelo canal de TV estadunidense Bravo. Na época, os protagonistas eram Carson Kressley, Jai Rodriguez, Kyan Douglas, Ted Allen e Thom Filicia. A estreia da versão brasileira está prevista para 2021.
NASCE UMA RAINHA
Reality em seis episódios. Disponível na Netflix a partir desta quarta (11).