Do drama da solidão ao riso pela situação inusitada, o confinamento em casa experimentado por milhões de pessoas em várias partes do mundo nos últimos oito meses, devido à pandemia do novo coronavírus, guarda muitas histórias.
O Grupo Galpão foi atrás de algumas para seguir alimentando sua premiada trajetória, ainda que longe dos palcos. Nesta sexta-feira (20), estreia Histórias de confinamento, projeto cênico virtual criado a partir de relatos enviados pelo público da companhia mineira, que fez um chamado por contribuições.
Foram quase 500 textos recebidos de pessoas de várias partes do Brasil. Entre eles, relatos de situações pessoais, reflexões, conflitos, desafios e episódios específicos que fizeram parte da quebra da rotina imposta pela quarentena.
Desse total, 18 histórias foram selecionadas e adaptadas por Eduardo Moreira. Ele divide com Inês Peixoto a direção daquilo que preferem chamar de “experiência”, e não espetáculo teatral.
“É um híbrido de teatro e cinema. Um conceito da 'casa palco' e dessa coxia virtual, num trabalho que dura 55 minutos e no qual temos que ficar sempre atentos à hora em que a cena do outro está no ar para fazer nossa entrada. Ou seja, há todo o comportamento do teatro, toda a tensão do ao vivo, mas tudo sendo transmitido, distante do público”, explica Inês Peixoto.
Serão apresentadas seis sessões gratuitas, de hoje até o próximo dia 29, via YouTube, sempre às 20h. O conteúdo deixa de estar disponível 15 minutos após o encerramento da sessão.
O elenco conta com Antonio Edson, Fernanda Vianna, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia, Simone Ordones e Teuda Bara, além de Inês Peixoto e Eduardo Moreira. Todos eles participaram da escolha das histórias que são mostradas em cena e usarão suas próprias casas como cenário.
“Recebemos muitos relatos, a maioria com características parecidas, desse cotidiano prosaico de problemas que surgem por estar o tempo todo dentro de casa, ou da solidão, ou do excesso de convívio com as mesmas pessoas”, diz Inês.
A atriz e diretora acredita que o “conteúdo terá um grande potencial de identificação por pessoas de qualquer parte do mundo, por trazer essa geografia íntima, o interior das casas, tudo dialogando com esse espaço virtual onde vamos apresentar”.
Eduardo Moreira lembra que o grupo já tinha experiência em trabalhar com histórias oferecidas pelo público. Um processo criativo semelhante foi usado em Pequenos milagres, de 2003, dirigido por Paulo de Moraes. Desta vez, segundo Eduardo, uma das chaves foi “selecionar recortes mais curtos e extrair desse material, às vezes muito literário, uma teatralidade”.
Dessa forma, as cenas entram em sequência e até com referências cronológicas, segundo o dramaturgo. “É como se estivessem transcorrendo de 17 de março (data de início da quarentena) até hoje”, diz ele.
Em consonância com esse período de recolhimento, não há grandes acontecimentos em Histórias de confinamento.“São relatos como o de uma pessoa que sempre detestou fazer aniversário, e a data desta vez caiu durante a pandemia. Ela resolveu comemorar sozinha, e lida, ao mesmo tempo, com uma ponta de prazer de não ter que fazer festa e receber pessoas, mas também com o incômodo de estar totalmente só”, cita Inês.
Outra história gira em torno de um banheiro entupido. “A pessoa é do grupo de risco e lida com esse problema do risco de chamar um bombeiro em casa. Uma coisa mínima, mas que vira uma grande questão. Além disso, é sobre termos aprendido a reparar mais na paisagem da janela, cuidar mais das plantas da casa. Não imaginávamos a dimensão que tudo isso teria nas nossas vidas”, descreve a atriz e diretora.
A mistura de sentimentos proporcionada pelo confinamento é outro dos aspectos abordados. “São histórias mais cômicas, mas também de sentimentos mais dramáticos, de perdas, de saudade. Conseguimos trazer esse mix, dentro de situações comuns”, diz Inês.
As vivências compartilhadas pelo público se confundem com as dos próprios artistas, que também enfrentam a nova rotina de confinamento em casa, tendo de adaptar seus afazeres artísticos para o espaço do lar.
“Esse espaço era a exceção e virou a regra. Fazemos tudo remotamente, desde os ensaios até a direção, que também foi a distância. Estruturamos como uma experiência, partindo desse convencimento de assumir um trabalho ao vivo, que nos desse essa emoção, em casa, sem dividir o espaço com o público, mas dividindo o tempo. Além de nos reconhecer totalmente nessa situação do isolamento, pela qual também passamos”, diz Inês.
Nessa produção remota, eles contam com o trabalho de Thiago Sacramento, designer, videomaker e artista gráfico, responsável pelos arranjos visuais da transmissão. A peça tem trilha sonora original, composta por Wilson Lopes, além de equipe de iluminação.
O acesso às apresentações é gratuito, mas o Galpão incentiva o público a fazer uma contribuição financeira de qualquer valor para essa temporada de estreia do projeto, por meio da plataforma Sympla.
Embora lamente a restrição do contato com o público, Inês Peixoto celebra a chance de o trabalho da companhia poder ser visto até por quem reside fora do Brasil, com esse modelo de apresentação remota.
Já Eduardo Moreira se alegra com o fato de o Galpão estar “deixando dois registros muito interessantes: primeiro o Éramos em bando (videodocumentário produzido pelo grupo durante a pandemia) e agora essa peça sobre esse período”. Ambas fazem, na avaliação dele, “uma crônica dos nossos tempos, que é uma função muito importante da arte”.
Histórias de confinamento
Com o Grupo Galpão.
Estreia nesta sexta (20). De sexta a domingo, sempre às 20h.
Até 29/11, ao vivo, no YouTube.
Acesso gratuito. Contribuições podem ser feitas via Sympla. Duração: 50 minutos