Kleber Mendonça Filho escreveu o roteiro de Bacurau com Juliano Dornelles ao longo de nove anos. “O processo é mais lento, porque a gente vai conversando, resolvendo alguns problemas. Mas cada um deixa a sua marca: Juliano tem uma atenção especial para texturas, para o jeito de falar de alguns personagens; Damiano (interpretado pelo mineiro Carlos Francisco), por exemplo, é um personagem de Juliano.” O codiretor contribuiu também com desenhos, como o mapa do povoado de Bacurau, incluído na edição com muitas fotos de bastidores.
As versões dos roteiros impressas no livro não correspondem exatamente ao que se viu na tela. Há diferenças significativas, por exemplo, no desfecho de Aquarius (o original era “mais literário”, admite Kleber) e no início de Bacurau – a cartela explicativa foi eliminada para preservar o efeito de montanha-russa que o filme provoca, ao mudar drasticamente de gênero e surpreender o espectador.
Permanece intacta a escrita fina, meticulosa e adjetivada (“Bacurau é um povoado pequeno e digno”), com indicações de lentes e movimentos de câmera pontuados por referências pessoais que entregam o DNA pernambucano do autor: “A linguagem clássica dos manuais nunca me atraiu: roteiro não é uma bula, é um clima.’’
Permanece intacta a escrita fina, meticulosa e adjetivada (“Bacurau é um povoado pequeno e digno”), com indicações de lentes e movimentos de câmera pontuados por referências pessoais que entregam o DNA pernambucano do autor: “A linguagem clássica dos manuais nunca me atraiu: roteiro não é uma bula, é um clima.’’
O cineasta nascido no Recife em 1968, que começou a carreira como jornalista e crítico, lembra alguns roteiros que leu no início dos anos 1990: Faça a coisa certa (1989), do de Spike Lee, Confiança (1990), de Hal Hartley, e Cães de aluguel (1992), de Quentin Tarantino. “A escrita era sedutora, atraente. Eu não conseguia parar de ler.” Kleber espera que o mesmo ocorra com os trabalhos reunidos no seu livro. “O ideal é que você, ao terminar de ler um roteiro, pense assim: ‘Acabei de ver um filme, ele existe.’
Novos roteiros
Sem a possibilidade de fazer viagens internacionais para acompanhar o lançamento de Bacurau em países como o Japão, Kleber Mendonça Filho aproveitou os tempos de recolhimento forçado no Recife desde o início da pandemia para escrever. “Minha grande preocupação estse ano foi ficar bem e continuar trabalhando.” Ele concluiu o roteiro de um novo longa-metragem, de um curta e iniciou a escrita de outro filme, além de avançar em documentário sobre os cinemas de rua de sua cidade. Os projetos, agora, vão aguardar o fim da pandemia e “do momento ruim do Brasil” para serem desenvolvidos.Enquanto isso, Bacurau segue trajetória de filme popular. Depois dos 700 mil espectadores no cinema do país, a produção será exibida nesta segunda-feira na Tela quente, da Rede Globo, sessão reservada a produções de grande apelo. “É muito bom que os filmes possam fazer parte da cultura de muitas maneiras, inclusive com a massificação. Fico muito feliz porque é a ocupação de espaço por onde passam muitas produções industriais, de Hollywood, por um filme pernambucano, brasileiro”, ressalta o diretor. “A sensação é que fizemos algo capaz de conectar por muita gente.”
Exibidas com legendas nos cinemas, as falas em inglês do alemão Udo Kier, um dos rostos mais conhecidos do elenco, e dos atores norte-americanos serão dubladas na tevê. O diretor lembra que o filme estreou no Festival de Cannes, foi exibido em salas multiplex e cineclubes, foi bem procurado em plataformas digitais antes de chegar à tevê aberta. “Agora vai ser visto por pessoas que normalmente não assistiram porque o filme vai chegar na casa delas, vamos ver como vai ser nos momentos em que o filme dá saltos e vai virando outra coisa.”
Três roteiros:
O som ao redor, Aquarius, Bacurau
• Kleber Mendonça Filho
• Companhia das Letras
• 318 páginas
• E-book: R$ 39,90
Aquarius: o desfecho original
O final de Aquarius escrito no roteiro, mas que não chegou às telas, era “mais literário”, na visão de Kleber Mendonça.
150. INT. SALA APARTAMENTO CAROLE – DIA
Agora, vamos para um CLOSE-UP no rosto forte de Júlia, olhando para Natália.
JÚLIA Hm..., não sei, depende de como você vê. Eu conheci Clara durante alguns dias... Depois disso, a gente manteve contato algumas vezes, uns e-mails, mas eu terminei nunca vendo Clara... (Pausa). Mas às vezes eu lembro dela, do nada... Eu lembro muito bem dela...Eu não acho que ‘não deu em nada’. Ela viveu a vida dela, fez o que quis, como quis, do jeito que ela quis...
Ela era uma mulher foda...E até hoje eu lembro daquele apartamento dela,
era tão lindo...
No rosto de Júlia CORTAMOS para a TELA PRETA.
FIM