O pintor mineiro Carlos Bracher faz festa virtual, neste sábado (19), para comemorar seus 80 anos. A pandemia não tirou o entusiasmo dele. “Temos de contribuir para a melhoria do mundo, é uma obrigação moral, um ato necessário”, diz o artista plástico. A partir de hoje, ele abrirá sua própria casa ao público.
Carlos e a mulher, Fani, inauguram o Ateliê Casa Bracher, onde estão reunidas cerca de 150 obras do casal. Morando há quase meio século num belo casarão de 200 anos, no Centro Histórico de Ouro Preto, os dois anexaram ao ateliê o espaço de um sobrado vizinho.
“É o nosso comprometimento com todos, com a pluralidade e com a acessibilidade”, explica Carlos Bracher, convidando o público a fazer tour on-line por lá, com direito a visualização em 360 graus do acervo e site trilíngue (português, inglês e espanhol).
“Nesses meus 80 anos, tenho me comprometido, cada dia mais, em contaminar o mundo com o sentimento de que devemos ser melhores através da arte”, diz o pintor.
FAMÍLIA
O casal selecionou e catalogou as obras com a ajuda das filhas, a jornalista Blima e a atriz Larissa. “Está bonito, muito interessante e bem-feito”, comemora Fani. “Foi curadoria nossa, somos uma equipe. Nós quatro trabalhamos em comum acordo”, completa Carlos, definindo o projeto como a síntese do trabalho desenvolvido por ele e a mulher.
O ateliê se divide em três partes. No primeiro andar ficam as criações de Carlos. “Fiz uma sala em homenagem a Van Gogh, muito bonita. É um ambiente escuro, com umas luzinhas no teto. No piso, há um dos autorretratos dele”, adianta.
“É muito bonito e reflexivo entrar no mundo do Van Gogh, na loucura dele. Na arte, a loucura é tudo de bom. O mundo real é muito chato, pagar contas, tudo isso é uma chatice só! Loucura é um ingrediente muito bom”, garante.
Do alto de seus 80 anos, Carlos confessa: não consegue entender pessoas “certinhas demais”. “Deve ser uma catástrofe virar santo. Você tem de chutar uns baldes, viver a alegria e o triunfo da vida! Temos de inventar a vida, a vida é uma invenção”, diz o pintor.
No segundo andar e no porão ficam as obras de Fani. “Nesse andar, tem uma coisa muito interessante. É o que Blima chamou de labirinto, a instalação que fiz com vários objetos e um espelho que reflete de cima até embaixo”, conta a artista plástica. A reserva técnica reúne 450 trabalhos de Carlos.
Fani, de 73 anos, revela que a COVID-19 afetou seu ritmo de produção. “A pandemia deu uma mexida geral em todo mundo, mas tentei manter a cabeça sempre ocupada, lendo, criando e sempre funcionando. A arte foi praticamente a minha salvadora.”
Entre os trabalhos dela há desenhos, pinturas, objetos, bordados, colchas e figurinos de teatro. “Quem está lá na Europa vai poder acessar (o site) e ver tudo. Que todos levem coisas muito boas daqui. A visitação será maior do que se fosse presencial”, comenta a artista plástica.
Assim que a COVID-19 for controlada, os Bracher pretendem abrir o ateliê para visitas presenciais. Por enquanto, é preciso garantir a segurança de todos. Fani não vê a hora de receber jovens e estudantes na Casa Bracher. “É muito importante a gente já ir colocando sementinhas na cabeça das crianças. Os trabalhos (artísticos) que elas fazem são maravilhosos, melhor do que os nossos”, observa.
CASTELINHO
E foi justamente na infância que Carlos Bracher se deparou com a paixão pelo mundo da arte. Nascido em Juiz de Fora, ele conviveu com músicos, artistas plásticos e escritores. “A vida é contemplação. Cada um tem que se descobrir, achar a sua potência. Daí vem a importância da arte, pois ela é a revelação da alma humana, trabalha com a síntese das potencialidades”, observa.
Casados há 52 anos, foi ele quem influenciou a mulher a se tornar artista. Inicialmente, dividiam o mesmo ateliê – “eu pintava numa mesa; ele no cavalete”, conta Fani. Posteriormente, ela abriu o próprio espaço. “Carlos foi a pessoa que mais me incentivou. Todos os dias ia ao meu ateliê e conversávamos sobre o que eu fazia. Quando ele pintava, me chamava para ver”, diz ela.
Carlos Bracher conta que leva para seu ateliê o sentimento de acolhimento que trouxe de sua casa, em Juiz de Fora. “O Castelinho era uma casa sem ordem, todo mundo mandava, irmandade coletiva. Você entrava lá e só se falava em arte, cultura, conhecimento e filosofia. Fani começou a pintar naquela casa, era o epicentro da cidade”, relembra. “Tudo que era doido ia pra lá, um hospício com as melhores pessoas em busca da liberdade.”
Em 2021, uma vez por mês, a agenda do Ateliê Casa Bracher terá atividades artísticas e bate-papos ao vivo. Estão previstas palestras sobre arte e pintura, além da exibição dos filmes Âncoras aos céus e Ouro Preto olhar poético, de Blima Bracher, seguidas de conversa com Carlos Bracher.
Fani planeja falar sobre seu processo criativo. Ela vai explicar, por exemplo, como criou os painéis em afresco com dois quilômetros de extensão em Piau, na Zona da Mata mineira.
Amigos celebram a arte
Vários artistas enviaram mensagens aos Bracher comemorando a abertura do espaço cultural mantido pelo casal em Ouro Preto. “Parabéns pelos 80 anos e mais parabéns ainda pela inauguração do Ateliê Casa Bracher. É um grande presente dos homenageados para nós, seus admiradores”, afirma a cantora Maria Bethânia, em vídeo dedicado ao casal.
“Você, meu amigo, de fato vive em poesia, em estado de permanente poesia. Em exaltação quase mística, que nos contagia com seu vigor tão jovem, que irradia fé e esperança”, diz João Candido Portinari, professor, escritor e filho de Candido Portinari (1903-1962), um dos artistas plásticos mais importantes do Brasil.
A atriz Irene Ravache, o cantor e compositor Lô Borges e o estilista Ronaldo Fraga também estão entre os amigos dos Bracher que gravaram vídeos. “Daqui a 80 anos, daqui a 100 anos, os brasileiros que visitarem esse lugar vão sentir, vão saber que esse espaço cultural foi um momento de respiro em meio ao caos que este país está vivendo na arte e na cultura”, afirma Fraga.
O QUE VER
TÉRREO
Telas de Carlos Bracher – paisagens, retratos, autorretratos, marinhas e flores. Entre as obras, Homenagem a Van Gogh (1990), Do ouro ao aço (1992), Brasília (2006/2007) e Tributo a Aleijadinho (2014).
SUBSOLO E SEGUNDO ANDAR
Trabalhos de Fani Bracher das séries Paisagens, Mineração, Flores, Ossos, Pedras e Setas. Há desenhos, pinturas, bordados, objetos e figurinos para teatro, além dos pigmentos in natura utilizados pela artista em suas obras.
ATELIÊ CASA BRACHER
Obras de Fani e Carlos Bracher. Tour virtual. Site: www.ateliecasabracher.com. Instagram e Facebook: @ateliecasabracher. YouTube: bit.ly/ateliecasabracher
*Estagiária sob supervisão da editora assistente Ângela Faria
*Estagiária sob supervisão da editora assistente Ângela Faria