Ser acordado no meio da noite por aquela pessoa especial, enquanto ela faz uma serenata do lado de fora da janela. Isso pode parecer cena de filme romântico, mas já foi parte da rotina de muita gente. E agora volta a ganhar vida na voz de Raimundo Fagner, de 71 anos, que acaba de lançar o álbum Serenata (Biscoito Fino).
“Estou realizando um sonho. Sabe quando um sonho se torna distante? Mas terminou acontecendo, e em grande estilo”, comemora o cantor e compositor cearense.
O desejo de lançar um disco de seresta o acompanha desde a infância. Porém, em 45 anos de carreira, surgiram outras prioridades. “Guardei as serenatas na memória e fui para outro mundo (musical). Sempre me interessei por elas”, diz o cantor dos hits românticos Canteiros e Borbulhas de amor.
IRMÃO
O disco é homenagem ao irmão dele, o seresteiro Fares Cândido Lopes,15 anos mais velho, com quem Fagner aprendeu a amar não apenas a serenata, mas também o futebol. “Cresci ouvindo o meu irmão cantar. No Ceará, a minha infância foi ouvindo esse repertório.”
O disco homenageia grandes intérpretes – Francisco Alves, Sílvio Caldas, Orlando Silva e Vicente Celestino –, reunindo canções de Cândido das Neves, Freire Júnior, Cartola, Belchior, Orestes Barbosa, Chico Buarque, Pixinguinha e Vinicius de Moraes, entre outros.
Marcado para abril, o lançamento teve de ser adiado devido à pandemia de COVID-19. Fagner aproveitou o isolamento para regravar algumas faixas. “Há músicas aparentemente iguais, com os mesmos formato e leitura. No final do processo de botar a voz, eu já estava um pouco perdido. Veio essa pausa longa e deu para refletir, colocar (a voz) com mais propriedade”, explica.
“Não sei dizer exatamente o porquê de lançar agora, mas as coisas chegaram a um ponto que ficou inevitável. Já estava devendo esse disco para mim, meu irmão e para Conservatório, que nos acolheu tão bem”, comenta Fagner, referindo-se ao município fluminense apelidado de “Cidade da Seresta”.
O foco do projeto não está nos jovens, mas Fagner acredita que o repertório pode agradar às novas gerações. “Coisas de qualidade podem prender a atenção deles”, afirma. Pensando nos mais antigos, fez questão de lançar o disco em vinil. “A qualidade é melhor, o processo é melhor e se escuta com mais qualidade. Esse público ainda mantém a cultura do vinil”, diz.
Uma das faixas preferidas dele é Serenata do adeus, de Vinicius de Moraes. “Minha história com o Vinicius foi muito especial, sempre me lembro dele”, conta.
O álbum traz uma participação superespecial: Nelson Gonçalves (1919-1998), que divide a faixa Serenata com Fagner. “Deu muito trabalho, mas foi um achado. Cantar com o Nelson, né? Ele é um dos grandes, a responsabilidade é muito grande”, diz, a respeito do encontro, graças à tecnologia, com o intérprete de A volta do boêmio.
A relação dos dois começou com uma desavença. “Quando lancei o disco Noturno (1979), ele fez uma declaração crítica sobre mim. Não deixei mole. Nos encontramos, tivemos um bate-boca e acabamos virando amigos. Essa faixa é coberta de história, carinho e respeito”, diz Fagner.
TRAUMA
A vida de seresteiro não é fácil. Fagner que o diga. “A primeira serenata que fiz, era muito jovem. Foi no dia da morte do ex-presidente Castello Branco (18 de julho de 1967). Fomos cercados por carros do Exército, queriam saber o que fazíamos ali. Foi meio traumático”, relembra.
“Depois, teve aranha-caranguejeira subindo na minha perna. E alguns pais que não gostavam muito da gente. Era sempre um risco, ficava tenso”, conta Fagner, referindo-se à vigilância paterna sobre as filhas homenageadas pelos rapazes seresteiros. Era preciso planejar tudo com cuidado. “Esperávamos a pessoa dormir, tinha toda uma logística”, conclui.
SERENATA
De Raimundo Fagner
12 faixas
Biscoito Fino
R$ 54
* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria