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Estado de Minas LITERATURA

Lembranças de Minas inspiram o novo romance de Geny Vilas-Novas

Em 'O vento gira em torno de si', a autora constrói sua narrativa em meio às memórias da fazenda da infância e ao luto pelo 'assassinato' do Rio Doce


29/12/2020 04:00 - atualizado 29/12/2020 07:48

Em primeira pessoa, a narrativa gira em torno das alegrias e perdas de uma existência fugaz. Como o vento, que gira em torno de si – e, assim como define a vida, uma corrida atrás do vento –, tais são as vivências despejadas na escrita. Aos turbilhões, a mineira Geny Vilas-Novas, de 73 anos, revela em O vento gira em torno de si (7 Letras) uma alma inquieta.

São memórias que vagueiam entre a morte de pessoas queridas e as trevas lançadas pela mineração sobre o Rio Doce, que regou a sua infância e memórias cultivadas na Fazenda Boa Esperança, onde nasceu, no município de Fernandes Tourinho.

São histórias que também abordam a violência visceral e aqueles lugares em que “os filhos choram, e as mães não escutam”. A propósito destes, a autora remexe a ferida: “Em Manaus, os prisioneiros matam uns aos outros. Facções rivais nos mesmos compartimentos. Os corpos são esquartejados, decapitados, mutilados, desfigurados, vísceras e miolos espalhados (...) A desdita campeia, tocam fogo nos telhados, facões e barras de ferro em punho. Descalços, maltrapilhos, chão de barro batido. O Brasil mostra a sua cara aos noticiários do mundo.”

Há dias que começam leves, em que “o céu azul metálico espalha uma luminosidade alegre”, mas que se encerram marcados pela imprevisibilidade da vida: é o filho que cai da escada, bate a cabeça e vai parar na Unidade de Terapia Intensiva. Em meio às incertezas, tantas reflexões existenciais buscam explicações e ajuda em deuses e crenças que atravessam da Ilíada, de Homero, aos Evangelhos. Não raro, a narradora anuncia, ao se ver livre da súbita tormenta: “Meu coração se elevou. Entoei um salmo.”


SANGUE 

O vento gira em torno de si é o mais recente livro desta escritora compulsiva, que assim descreve sua obra: “Meus livros são escritos com a pena, e a tinta é o sangue”. Como folhas ao vento, o romance de Geny Vilas-Novas dança em torno da rotina da narradora, ao ritmo do carpe diem, pois tristes ou alegres, “temos de viver o momento e o momento é esse”.

Minas é uma herança que transborda ao longo de toda a narrativa desta mineira apaixonada, que hoje vive no Rio de Janeiro. “Preciso voltar sempre a Minas Gerais. Aquecer meu coração e eivar-me de forças para seguir adiante”, diz ela, que descreve as muitas Minas – ricas e pobres – que desfilam pelo Mercado Municipal de Belo Horizonte, onde se compram todos os cheiros e sabores.

“Farinha de araruta, polvilho, fubá 80 81 de moinho movido a água, urucum, açafrão e os mais variados tipos e cores dos temperos. Queijos da Serra da Canastra. Cachaças de Salinas. Todos os artesanatos mineiros: bordados, cestos, entalhes em madeira. Mas o que me fez perder a cabeça são as cerâmicas do Vale do Jequitinhonha. Chegando aqui em casa, coloco em cima dos meus móveis e fico namorando. Elas são lindas, consigo ver nelas uma transparência que ninguém vê.”

"Farinha de araruta, polvilho, fubá de moinho movido a água... Queijos da Serra da Canastra. Cachaças de Salinas. Mas o que me fez perder a cabeça são as cerâmicas do Vale do Jequitinhonha... Consigo ver nelas uma transparência que ninguém vê"

Geny Vilas-Novas, escritora


Mas em Minas, desde que o Rio Doce foi soterrado pela Samarco, o luto persiste. “O Vale do Rio Doce é próspero e fértil. Árvores frondosas, frutos que Peixinho Dourado e eu comíamos com muito gosto. Pés nativos de jabuticabas, pitombas, jatobás. Conhecíamos o Sítio de Cima palmo a palmo. Não gosto mais de falar no Rio Doce. Sei que ele morreu e levou com ele o meu coração.”

E não apenas na culinária, no artesanato e em seus ícones naturais Minas segue polvilhando toda a narrativa. Nas palavras do professor e doutor em literatura Ivan C. Proença, “vez por outra, a narrativa se faz acompanhar por adágios que bem lembram a influência das crenças (da cultura popular em geral) nas terras e gentes mineiras. Vamos conviver com ‘nada como um dia depois do outro’, ‘vingança é prato que se come frio’, ‘atrás do morro tem morro’, ‘uma galinha não põe dois ovos no mesmo dia e um padre não celebra duas missas’, ‘os mineiros nunca dizem adeus’”.

Geny Vilas-Novas escreve pelo menos um romance por ano desde que venceu a dislexia, estimulada a empurrar para o papel a criatividade, a sensibilidade e suas emoções. É autora dos romances Flores de vidro, Onde está meu coração e Fazendas ásperas (7Letras), além do livro de contos infantojuvenil Uma história dentro da outra e lendas do Rio Doce (Zit, 2017).

(foto: 7Letras/reprodução )
(foto: 7Letras/reprodução )

O VENTO GIRA EM TORNO DE SI
De Geny Vilas-Novas
7 Letras
172 páginas
R$ 49


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