Em outubro de 2015, quando foi anunciado oficialmente o fim do Uakti, Paulo Santos se descobriu sozinho, depois de 37 anos como integrante e cofundador do grupo de música instrumental. Ainda que sua carreira como multi-instrumentista já tivesse outros frutos, principalmente na produção de trilhas sonoras, a partir daquele momento ele se viu diante de um recomeço.
Nos últimos cinco anos, a produção tem sido profícua, mas somente agora, aos 66, ele começa a mostrar um novo trabalho solo. Com previsão de lançamento para fevereiro, Chamas, primeiro álbum desde Paulo Santos – Música para performances de Eder Santos (2002), foi produzido durante a pandemia. A primeira faixa, Berço do ar, acaba de ser lançada com um vídeo, produzido com a bailarina e coreógrafa Gabriela Chiaretti e o diretor Lucas Campos.
Foi uma fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante reunião ministerial de 22 de abril, que despertou em Paulinho a vontade de realizar o trabalho. Reproduzida à exaustão desde que a reunião foi tornada pública em maio por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a declaração do ministro defendia passar “a boiada” e mudar regras ligadas à proteção ambiental enquanto a atenção da mídia estava voltada para o início da pandemia da COVID-19.
“Já no ano passado, eu comecei a construir algumas coisas, mas a fala do ministro foi o ponto de partida. O trabalho tem esse sentido de falar do meio ambiente, da Amazônia, do Pantanal, pois para mim o Brasil é o berço do ar, daí o nome da primeira faixa. E ver tudo isso ser destruído me deu certa angústia”, comenta Paulinho.
A mulher do músico, Josefina, trabalhou com o Uakti fazendo manutenção nos instrumentos criados por Marco Antônio Guimarães. Com o fim do grupo, ela passou a construir os instrumentos de Paulinho (como marimba de vidro e a trilobita, instrumento percussivo criado a partir de tubos de PVC), que os mantém em um ateliê (ele prefere esse nome, já que não tem um estúdio convencional) em casa.
Foi em casa que ele começou a produzir as 10 faixas, em que tudo é executado por ele. Berço do ar, por exemplo, ele gravou tocando tabla indiana e sintetizadores. “Chamas vai ser um disco eletroacústico, em que os instrumentos acústicos solam e também fazem a base para timbres eletrônicos”, ele conta.
Paulinho também tem feito muita trilha para a escola do Grupo Corpo. Quando Berço do ar ficou pronta, ele chamou Gabriela Chiaretti, professora da escola, e perguntou se ela não queria improvisar em cima do tema. No vídeo, em uma sala de aula do Corpo, a bailarina faz uma performance para a câmera de Lucas Campos. São dois momentos bem distintos, um primeiro mais tranquilo e outro caótico, em que Paulinho tentar expressar a relação atual das pessoas com o meio ambiente.
Ainda que Chamas seja um trabalho solo, os últimos anos têm sido de múltiplos parceiros. O primeiro marco pós-Uakti foi o álbum Curado (2016), lançado com o grupo paulistano de rock experimental Hurtmold.
“Este trabalho com o Hurtmold deu uma alavancada. Depois comecei a tocar com muita gente, como o (pianista, compositor e arranjador) Benjamin Taubkin e o Palavra Cantada”, ele conta. Paulinho fez os arranjos de todas as faixas de Concerto para bebês, trabalho que a dupla Sandra Peres e Paulo Tatit lançou no ano passado.
Ele fez também a trilha do espetáculo on-line Ítaca, 365, que o ator Cacá Carvalho apresentou no início de dezembro. E aguarda para este ano o lançamento de três filmes em que também assina a trilha sonora: A casa do girassol vermelho, de Eder Santos, A queda, de Diego Rocha, e O lodo, de Helvécio Ratton.
Este último, que deve chegar aos cinemas em maio, foi exibido em outubro passado, na Mostra de São Paulo. Quase personagem da narrativa, a trilha criada por Paulinho pontua o clima de claustrofobia que toma conta da vida de Manfredo, protagonista da história, baseada em conto de Murilo Rubião.