Jornal Estado de Minas

MÚSICA

Anavitória lança Cor, que vai além do pop fofo da dupla

''Ao meu passado, eu devo o meu saber e a minha ignorância/ As minhas necessidades e as minhas relações/ A minha cultura e o meu corpo/ Que espaço o meu passado deixa para a minha liberdade hoje?/ Não sou escrava dele', recita Rita Lee em determinado momento da música Amarelo, azul e branco, responsável por abrir o novo álbum da dupla Anavitória.





Ícone da música brasileira, a cantora, musicalmente aposentada desde 2012, abriu exceção ao gravar para o trabalho de Ana Caetano e Vitória Falcão. As duas sonhavam com a parceria desde o início da carreira, em 2014, quando ainda moravam em Araguaína, cidade do interior do Tocantins. A concretização chega no momento em que a dupla, atualmente um dos nomes mais lucrativos da indústria musical no Brasil, experimenta uma bem-vinda liberdade artística que reflete na qualidade musical do disco Cor.

''Entramos em 2020 com o plano de gravar um novo álbum, então o ano já seria mais tranquilo. Com a quarentena, isso ficou acentuado. Nunca tivemos tanto tempo para fazer um projeto sem interrupção de viagens, shows e compromissos. A pandemia nos colocou morando juntos, em equipe, então foi muito intenso. O mundo todo uma maluquice e a gente dentro de um casulo fazendo esse álbum'', conta Vitória.

O “casulo” a que ela se refere é uma casa em Itaipava, na região serrana do Rio de Janeiro. E a “equipe” inclui o empresário Felipe Simas – considerado “o quinto Beatle” da dupla – e o músico Tó Brandileone, conhecido pelo trabalho à frente da banda paulistana 5 a Seco. É com ele que Ana Caetano coassina a produção musical de Cor, feito inédito para a cantora e compositora.





''Neste disco, a Vitória já tinha me dado um voto de confiança para produzir. Sabíamos que seria eu e mais alguém. Quando decidimos levantar esse trabalho, no início da pandemia, chamamos o Tó para testar algumas músicas e o encontro deu tão certo que a gente quis que ele produzisse o trabalho inteiro. Foi gostoso demais trabalhar porque construímos uma relação de muito respeito'', explica Ana.

Lançado sem aviso prévio no primeiro minuto de 2021, Cor mostra um claro amadurecimento para uma dupla que se consagrou como de pop fofo com os discos Anavitória (2016), O tempo é agora (2018) e N (2019), com releituras de canções de Nando Reis. O novo trabalho revela que as letras românticas e acessíveis, cheias de clichês, podem ter um pano de fundo interessante.

E esse pano de fundo aparece na forma de instrumentais que sustentam a narrativa do disco e comprovam o quanto “as” Anavitória estão dispostas a atingir um público mais atento à sonoridade do que às frases bonitinhas das canções.





Selva é um bom exemplo disso. Com cerca de três minutos, a sexta faixa oferece um caminho diverso, começa simples e termina grandiosa, com direito a metais. Terra é outro destaque, mas percorre o caminho inverso: começa forte, pesada, e termina singela. Nas duas, chama a atenção a voz de Vitória, mais grave.


A maior pérola do disco é a derradeira Lisboa, música favorita de Ana, que conta com a participação de Lenine. Construída em torno de um arranjo de violões, a faixa é o lugar apropriado para o encontro inusitado dos três artistas.

''Quando fizemos essa letra, queríamos muito uma voz masculina nela. Depois de muito pensar, chegamos no nome do Lenine. Arriscamos fazendo o convite e ele aceitou. E o mais legal é que foi muito rápido, logo gravou e enviou para o Felipe (Simas), que mostrou para a gente de surpresa. O resultado é muito bonito. A região vocal que ele cantou deu, na música, o toque que a gente estava procurando'', comemora Ana.





Thiago Iorc

Das 14 faixas que compõem o trabalho, 13 são de autoria da dupla – a única exceção é a instrumental (dia 34). Detalhes como esses comprovam a sintonia entre Ana e Vitória, que não comentam o desentendimento com Thiago Iorc no ano passado. O músico, que era considerado uma espécie de padrinho musical da dupla, as teria impedido de regravar uma das canções que dividiam a autoria. Passada a discussão, que chamou a atenção nas redes sociais, Thiago se mostrou disposto a resolver a situação, mas Ana e Vitória não revelam se isso de fato aconteceu.

Ao contrário, elas preferem olhar para o passado com olhar crítico e até mesmo duro. Ao ser perguntada sobre as mudanças nesses seis anos de carreira, Ana Caetano se vê no início como ''muito inocente e ingênua, o que por um lado é muito bonito, mas por outro pode ser prejudicial''. ''Agora nós somos duas mulheres, estamos construindo uma vida. As responsabilidades são outras, assim como as prioridades'', acrescenta.

Para ela, o que se mantém é a vontade de trabalhar com o que realmente acreditam. ''Nós duas só fazemos o que temos muita vontade de fazer. A gente só faz porque a gente 'precisa' e está com muita vontade de fazer''.





Com o disco lançado, Ana e Vitória não esperam muito de 2021. ''Vamos continuar trabalhando a paciência e o não saber do futuro, como 2020 nos ensinou. Também vamos divulgar o Cor dentro das possibilidades remotas que temos disponíveis e esperar por dias melhores no Brasil. Estamos empolgadas para ver o que o palco do futuro guarda, mas até lá nos manteremos firmes e em casa'', afirma Vitória.

Ana concorda e acredita que somente no palco, diante do público, compreenderá o nome Cor, pensado por ela no distante dezembro de 2019, antes de o disco começar a ser feito, durante uma viagem entre Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro do Norte, no Ceará. Até lá, elas seguem coletando os significados que o universo aponta, que estão na numerologia, nas estrelas e – por que não? – no acaso.

(foto: Gabriela Schmdt/Divulgação)

COR
• De Anavitória
• F/SIMAS e Ingroove
• Disponível nas plataformas digitais

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