Jornal Estado de Minas

SÉRIE

Terceira temporada de 'American gods' apela para os orixás

American gods, série baseada no livro de Neil Gaiman lançado em 2001, sobre os Estados Unidos habitados por deuses antigos e novos das mais diversas origens e culturas, chega à terceira temporada. Na trama, mais fiel ao romance, fé e crença ganham destaque. Há também novidades, como referências à cultura iorubá e aos orixás.





A jornada de American gods na televisão é quase tão acidentada quanto a de seu personagem principal, Shadow Moon (interpretado por Ricky Whittle). Após a primeira temporada, houve troca de showrunners, os responsáveis para que o programa de fato aconteça. Na segunda, foi pior, pois o showrunner saiu no meio. Na terceira, além de ganhar outro showrunner, o ator Orlando Jones, que fazia Mr. Nancy, deixou o elenco atirando para todos os lados.


A explicação para a saída de Jones e de outros atores é simples: o protagonista Shadow se refugia na pequena Lakeside, tentando levar uma vida normal entre humanos, o que deixou pouco espaço para os demais personagens.

ESTABILIDADE

Pelo menos, o escritor Neil Gaiman está mais presente do que nunca. “Foi estranha a posição de ser o elemento de estabilidade, porque perdemos showrunners, produtores e atores”, disse ele durante conferência digital com jornalistas. “Porém, foi bom por muitas razões, inclusive centrar em Shadow, como eu sempre quis, e explorar na tela o charme de Ricky Whittle, que ele nunca teve chance de mostrar.”





No festival South by Southwest, Gaiman se reuniu com o showrunner Charles Eglee para falar sobre a terceira temporada. “Tentamos voltar mais ao livro, às coisas de que as pessoas gostam nele”, explicou o autor. “Foi uma sorte estarmos na parte de Lakeside, uma das favoritas dos fãs.”

O ator Ricky Whittle disse que Shadow vive uma jornada de autodescoberta. “Ele agora sabe que é semideus. Está tentando investigar quem é e o que é capaz de fazer.”

 Uma das sugestões do showrunner Charles Eglee foi que os orixás Chango (o rapper Wale) e Oshun (Herizen Guardiola), que não existem no livro, se manifestassem. “Adoro a cultura iorubá”, disse Gaiman. “Uma coisa importante é que, no livro, Shadow é mestiço, como os Estados Unidos são, ou o Brasil. E sabemos o porquê”, completou.

Na temporada anterior, a paternidade do protagonista foi revelada. Mesmo que também tenha origens miscigenadas, a cor da pele de Whittle é negra. “Tínhamos de incorporar isso, contrabalançar sua origem paterna. E, para isso, introduzimos os orixás.”





O ator Ricky Whittle evitou revelar detalhes sobre os novos deuses porque eles serão parte essencial na trajetória de Shadow. “São guias tentando direcioná-lo para o caminho correto, mostrando sua história e seu passado. É um reconhecimento à sua ancestralidade negra e africana.”

Quando escreveu o livro, Gaiman falava do caldeirão cultural americano, com diferentes culturas e crenças, e da contribuição dos imigrantes – vista como positiva, na época. De lá pra cá, as coisas mudaram. “É impressionante ver pessoas chateadas porque temos um elenco diverso”, afirmou o escritor.

Gaiman jamais imaginou que, 20 anos mais tarde, American gods seria tão relevante. Ao tratar de fé e crença, o romance fala de como o passado nunca morre – suas consequências ficam para o presente e o futuro. “O maior problema que enfrentamos agora é este: em que as pessoas acreditam?”, comentou o escritor.





“Os países que aplicam a ciência combatem o coronavírus com mais eficácia. E, em lugares como os Estados Unidos, as pessoas estão indo à justiça para rezar juntas em grandes grupos e transmitir COVID para as outras, alegando direito à religião”, lamentou.

Neil Gaiman não sente orgulho de seu livro, duas décadas depois do lançamento, fazer mais sentido que nunca. “Preferiria estar discutindo essas coisas como se fossem o passado”, concluiu.  

AMERICAN GODS
Terceira temporada
Disponível na Amazon Prime Video

Três perguntas para...
RICKY WHITTLE
ATOR

Há algum paralelo entre você e seu personagem, Shadow Moon?
Shadow me inspira. Então, gostaria de pensar que, sim, temos coisas em comum. Ele é muito ético. Quando o conhecemos na primeira temporada, está um caco, perdeu a esposa e seu melhor amigo. Na segunda temporada, descobrimos que perdeu a mãe aos 15 anos e nunca conheceu o pai. Esse homem não teve nada na vida, mas continua seguindo em frente de maneira positiva, tratando as pessoas com respeito, amor e leveza. É lindo alguém passar por tantas adversidades e ainda ter uma visão positiva da vida e da raça humana.





O que descobriu sobre si mesmo ao interpretar Shadow?
Aprendi a beleza da diferença e da variedade. É uma plataforma fantástica para divulgar a beleza de diferentes raças, gêneros, nacionalidades e orientações sexuais. Não dizemos que um é bom, outro é mau, apenas mostramos a beleza de cada pessoa individualmente. Aprendi muito sobre a cultura tradicional indígena com Sam Crow, e sobre a muçulmana com Salim, por exemplo.

Isso pode abrir os olhos das pessoas?
Espero que sim, que percebam a beleza de cada pessoa diferente que retratamos na série. O medo vem da falta de conhecimento, a divisão vem da falta de consciência e respeito. Positividade gera positividade. Então, quero que se divirtam com a série, mas também aprendam um pouco sobre a beleza que todos nós temos por dentro.

audima